terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

TÍTULOS DE CRÉDITO

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VENCIMENTO E PAGAMENTO


6.1 Vencimento

Por ser o título de crédito um documento que corporifica uma dada dívida de valor, que deverá ser adimplida em um determinado momento, o vencimento é justamente a indicação, expressa ou não, do momento em que o título poderá ser efetivamente apresentado pelo seu portador ao emitente ou demais obrigados.
O vencimento deve ser preciso, uno e único, ou seja, não se admitem diversas datas para o vencimento do título, sua indicação deve ser exata, considerando-se nulo aquele que tenha diferentes ou sucessivos vencimentos, nos termos do art. 33 da Lei Uniforme.
A indicação do vencimento não é requisito obrigatório para a maioria dos títulos de crédito, sendo que, aquele que não contiver tal indicação, considera-se vencível à vista (LU, arts. 2º e 76). Foge a esta regra a duplicata, que nos termos do art. 2º da Lei 5.474/68, tem como um de seus requisitos essenciais a indicação de seu vencimento.
O vencimento do título é requisito bastante para que a partir dele possa seu portador exigir o respectivo crédito cambiário do aceitante, emitente e respectivos avalistas, sendo que, quanto aos endossantes, sacador e respectivos avalistas, para que seja aparelhada a execução do título, torna-se obrigatório o protesto, nos termos do que estabelece o art. 53 da Lei Uniforme.

6.1.1 Modalidades de vencimento

A Lei Uniforme estabelece quatro modalidades de vencimento para a letra de câmbio (LU, art. 33). São elas: a) à vista; b) a certo termo da vista; c) a certo termo da data; e d) a dia certo.
Será à vista aquela letra cujo vencimento se dê com a sua apresentação. Nesta hipótese o aceite é dispensado, na medida em que não teria sentido o sacado aceitar a letra e ao mesmo tempo pagá-la. Basta efetuar o pagamento ou então recusar-se a pagar, situação em que a letra é considerada como não aceita, devendo seu portador providenciar o protesto do título objetivando a comprovação do não pagamento para, então, insurgir-se contra endossantes, sacador e avalistas (LU, art. 44). De forma a evitar que todos os coobrigados fiquem indefinidamente vinculados à apresentação da letra pelo seu portador, estabelece o art. 34 da Lei Uniforme que este terá um determinado prazo para a apresentação da letra à vista ao sacado, sob pena de perder seu direito regressivo contra os coobrigados, sendo que, se nada for disposto na própria letra a esse respeito, tal prazo será de um ano.
O sacador pode proibir a apresentação da letra à vista durante um certo período. Estabelece o art. 34 da Lei Uniforme que o sacador pode estipular que uma letra pagável à vista não poderá ser apresentada a pagamento antes de uma certa data; assim, o prazo para sua apresentação começa a contar a partir dessa data.
A letra é emitida a certo termo da vista quando seu vencimento se conta a partir do aceite e, na falta deste, a partir do respectivo protesto. Se o aceite não contiver data, presume-se tenha ele sido dado no último dia do prazo para a apresentação ao aceite (LU, art.35).
O vencimento será a certo termo da data na hipótese em que seja indicado no título um determinado prazo que, ultimado, gera o vencimento do título. Assim, se uma letra for emitida em 1º de março e tenha seu vencimento em 15 dias, seu vencimento será a certo termo da data, ou seja, ocorrerá em 16 de março. Nos termos do que estabelece o art. 73 da Lei Uniforme, o prazo é contado excluindo-se o dia do início e incluindo-se o do vencimento.
A dia certo é a mais comum das modalidades de vencimento de um título, e ele ocorre na precisa data indicada no próprio título.

6.1.2 Regras para a contagem do prazo

A Lei Uniforme, em seu art. 36 e 37, ocupa-se em estabelecer critérios para a contagem dos prazos de vencimento da letra. O vencimento pode ser contado em dias, semanas ou meses. Se o vencimento do título for a um ou mais meses da data ou da vista (vencimento a certo termo da data ou a certo termo da vista), o prazo recairá sobre o mesmo dia do mês correspondente. Por exemplo, se for emitido título com vencimento a um mês da data de sua emissão, que se dá no dia 10 de maio, o vencimento dar-se-á no mesmo dia 10, só que do mês seguinte – junho. Se o título é sacado a um ou mais meses e meio da data ou da vista, primeiro deverão ser contados os meses inteiros e após o meio mês, que corresponde a 15 dias. Por outro lado, se o vencimento for fixado para o início, meado ou fim do mês, isso ocorrerá respectivamente no primeiro dia, no dia 15 ou no último dia desse mês.
Se, por acaso, houver divergência entre o calendário do lugar em que o título foi sacado e o do lugar em que deverá ser pago, prevalece, para a determinação do seu vencimento, a data do local de pagamento. Essas regras, no entanto, não se aplicam se no título houver indicação de regra diversa.

6.1.3 Antecipação do vencimento

Ordinariamente, o vencimento do título dá-se no exato momento indicado no próprio título, conforme as regras anteriormente vistas, e, na falta de indicação, entende-se que seu vencimento é à vista. No entanto, podem ocorrer situações extraordinárias em que o vencimento se antecipe. O portador da letra pode exercer seus direitos creditícios no respectivo vencimento do título ou então antes dele: a) se houver recusa total ou parcial de aceite (LU, art. 43, 1º); b) nos casos de falência do aceitante (art. 19, II, Dec. 2.044/1908). Observe-se que, quanto às demais hipóteses estampadas nos arts. 43, itens 2º e 3º,e 44, alíneas 5 e 6, da Lei Uniforme, não são elas aplicáveis – foram objeto de reserva por parte do governo brasileiro.

6.2 Pagamento

Para que ocorra o pagamento do título, com o advento de seu vencimento, torna-se necessário que seja ele apresentado ao sacado, ao emitente ou aos demais coobrigados. A apresentação do título para pagamento deverá se dar no dia de seu vencimento, sendo que, se tal data recair em dia não útil, a apresentação deverá ser feita no primeiro dia útil seguinte. O art. 20 do Dec. 2.044/1908 estabelece: “A letra deve ser apresentada ao sacado ou ao aceitante para pagamento, no lugar designado e no dia do vencimento ou, sendo este dia feriado por lei, no primeiro dia útil imediato, sob pena de perder o portador o direito de regresso contra o sacador, endossadores e avalistas. Essa regra não é aplicável à letra sacada à vista, podendo esta ser apresentada a qualquer momento, a critério do seu portador, desde que dentro do prazo de um ano a partir da data de sua emissão.
Caso a letra não seja apresentada no dia do vencimento ou no primeiro dia útil seguinte, na hipótese de o vencimento recair em dia não útil, perderá o portador o direito de regresso contra o sacador, endossante e respectivos avalistas (LU, art. 53). Assim, com a apresentação fora do prazo do título tem-se a redução das possibilidades de recuperação do crédito por parte do seu portador, na medida em que poderá ele insurgir-se somente contra o aceitante.
Devemos observar-se que, como condição para o exercício do direito de crédito, a apresentação do título para pagamento é indispensável, cabendo ao seu portador dirigir-se ao devedor exibindo a este a letra. Trata-se de uma obrigação quesível (quérable) e não portável (portable). Isso porque, no dia do vencimento, não tem o devedor condições de saber nas mãos de quem o título se encontra, razão pela qual deverá aguardar que o credor o procure. Nada impede, no entanto, que se estabeleça regra diversa. Tratando-se de cobrança bancária é comum o devedor procurar o credor (instituição financeira) para efetuar o pagamento – nesses casos, a jurisprudência inclina-se em considerar a obrigação portável.

6.2.1 Espécies de pagamento

Levando-se em conta a pessoa que está fazendo o pagamento e seu interesse específico, o pagamento pode ser classificado como: a) pagamento extintivo ou liberatório; b) pagamento recuperatório; e c) pagamento por intervenção.
O pagamento liberatório ou extintivo é aquele feito ao portador do título pelo devedor principal do título (por exemplo, o aceitante da letra de câmbio, o sacador da letra não aceita ou o emitente da nota promissória). Referido pagamento tem como conseqüência, como o próprio nome diz, a extinção pura e simples do título, sem que se possa exercer qualquer forma de direito de regresso.
O pagamento recuperatório, por sua vez, é aquele feito não pelo devedor principal, mas sim pelos devedores indiretos (sacador da letra aceita, endossantes e avalistas), que, ao agirem dessa forma, guardam para si o direito de regresso contra os obrigados anteriores e liberam os posteriores. O pagamento efetuado pelo devedor indireto ou devedor de regresso não tem o condão de extinguir o título, na medida em que esse título será utilizado por ele para a cobrança do respectivo valor dos obrigados que o antecederam. Exemplificando: A (sacador) saca uma letra contra B (sacado) em favor de C (beneficiário). C endossa essa letra para D, que endossa para E, que por sua vez faz o mesmo para F. Imaginando-se que B aceitou a letra, e E, ao apresentá-la para pagamento a B, vê a obrigação totalmente satisfeita, tal pagamento será extintivo da letra. O pagamento feito por B libera todos os devedores indiretos. No entanto, se E vê frustrada a tentativa de cobrar B, procede à cobrança de C, que efetua o pagamento, nesse caso pagamento recuperatório; C, ao efetuar o pagamento, terá direito de regresso contra todos os obrigados anteriores a ele, isto é, A, B e seus eventuais avalistas. Nesse exemplo, C não poderá insurgir-se contra F por se tratar de devedor indireto posterior a ele.
Será por intervenção o pagamento efetuado por um terceiro que, voluntariamente ou por indicação, paga a dívida por conta de um dos obrigados pela letra e por conta disso se sub-roga nos direitos emergentes da letra contra aquele por honra de quem pagou e contra os que são obrigados para com este em virtude da letra, não podendo, contudo, endossar novamente a letra. Tal modalidade de pagamento está regrada pelos arts. 59 a 63 da Lei Uniforme. O pagamento por intervenção não poderá ser parcial e deverá se dar até um dia após escoado o prazo para protesto do título por falta de pagamento, sendo que o devedor que recusar o pagamento por intervenção perde o seu direito de ação contra aqueles que teriam ficado desonerados.

6.2.2 Lugar de pagamento

A Lei Uniforme nada dispõe a respeito do lugar onde a cambial deva ser apresentada para pagamento. Aplica-se, neste caso, o disposto no art. 20 do Dec. 2.044/1908, que define como local aquele designado na própria letra, sendo que, na ausência de indicação de local, será pagável no local indicado ao lado ou ao pé do nome sacado. É facultada a indicação de lugares alternativos para o pagamento da letra, cabendo ao portador a escolha, entre os indicados, do local em que irá efetuar o pagamento.

6.2.3 Pagamento parcial

O credor, no vencimento do título, não pode recusar o pagamento, ainda que parcial (CC, art. 902, § 1º,e LU, art. 39). Neste caso ficam desonerados, ao menos parcialmente, os demais devedores. Entende a doutrina que, se o portador recusa o pagamento parcial, perde o direito de regresso contra os devedores indiretos na medida do valor ofertado, podendo o ofertante propor ação de consignação em pagamento contra o portador.
Com o pagamento parcial não se opera a tradição do título, que permanecerá nas mãos do portador que recebeu parcela do seu valor, na medida em que tal portador necessitará do título para a cobrança do valor restante. Por outro lado, a quitação parcial deverá constar do próprio título e também de documento em separado.