terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

TÍTULOS DE CRÉDITO

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ENDOSSO


4.1 Noções Gerais

O título de crédito é concebido para circular e não para permanecer nas mãos do credor original. Muito embora nada impeça que o título não circule, sua vocação não é esta, e toda sua estrutura jurídica é voltada para dar confiabilidade ao título quando este se desprende de seu credor original (aquele que tomou contato com a relação causal que deu origem ao título). A literalidade do título de crédito prende-se à necessidade de aquele que não participou do negócio fundamental que deu origem ao título e que o recebe como forma de pagamento de alguma obrigação ter certeza quanto aos direitos incorporados no título que está recebendo, razão pela qual somente vale o que no título está escrito, nada além disso. Sua autonomia diz respeito à segurança que tem aquele terceiro de que o cumprimento da obrigação emergente do título não está vinculada a outra obrigação qualquer, na medida em que todas as pessoas que lançaram suas assinaturas no título estão a ele vinculadas autonomamente em relação às demais. Diz-se que o título de crédito é abstrato tendo em vista, justamente, a segurança que se dá ao terceiro que não participou do negócio jurídico que deu origem ao título (relação fundamental) de que o devedor principal e os demais coobrigados não poderão alegar vícios quanto a esta causa para não efetuar o pagamento devido, ou seja, a relação primitiva que ensejou o nascimento do título, com sua circulação, descola-se totalmente dele e em nada interessa aos terceiros possuidores do título.
A circulação do título de crédito se dá por meio do instituto cambiário chamado endosso. Trata-se, o endosso, da assinatura que apõe o proprietário do título (endossante), em seu verso ou anverso, transferindo-o a terceiro (endossatário). Com o endosso transmitem-se todos os direitos emergentes da letra (LU, art. 14). Assim como ocorre no aceite, o endosso deverá se dar com a assinatura do endossante no próprio título, sendo nulo o endosso passado em documento apartado. Portanto, deverá ele ser escrito na própria letra ou em folha ligada a esta (CC, art. 910, e LU, art. 13).
É possível que o sacador do título venha a impedir sua circulação mediante o endosso, por meio da chamada cláusula não a ordem, diante da qual o título somente poderá ser transmitido por meio da cessão de crédito, nos termos da lei civil.

4.2 Conceito

Trata-se o endosso de instituto tipicamente cambial por meio do qual ocorre a transferência do título do endossante (aquele que está a transferir a propriedade do título) ao endossatário (pessoa para quem o título é transferido e que, a partir de então, passa a ser seu proprietário). De maneira bastante completa, vale a transcrição de Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., que conceitua o endosso como “ato cambiário abstrato e formal, decorrente de declaração cambiária eventual e sucessiva, manifestada no título de crédito, ainda que dele não conste a cláusula ‘à ordem’, pela qual o beneficiário ou terceiro adquirente (endossante) transfere os títulos dele decorrentes a outra pessoa (endossatário), ficando, em regra, o endossante responsável pelo aceite e pelo pagamento”.
O endosso é ato abstrato porque se desvincula da cláusula extracartular que lhe deu origem; é formal tendo em vista que somente tem validade quando dado no próprio título, seja em seu verso ou anverso, sendo que, se o endosso for em branco, necessariamente deverá ser lançado no anverso do título (CC, art. 910, LU, art. 13). Trata-se de declaração unilateral de vontade, uma vez que a fonte da obrigação cambiária, expressada pelo endosso, circunscreve-se na própria assinatura do endossante aposta no título, independente das demais obrigações traduzidas no título. É eventual na medida em que sua falta não traz conseqüências negativas para o título e sucessiva porque se verifica após o saque do título.

4.3 Efeitos

O endosso tem dois efeitos principais: a) transfere todos os direitos emergentes do título, do endossante para o endossatário, e b) o endossante assume a responsabilidade solidária pelo pagamento do título.
Para que ocorra a efetiva transferência do título e, por conseguinte, dos direitos dele decorrentes, não é suficiente o endosso puro e simples – torna-se necessário que o título seja efetivamente entregue ao endossatário, a tradição do título. Assim dispõe o § 2º do art. 910 do CC.
Aquele que sempre foi considerado um dos principais efeitos do endosso, qual seja a automática responsabilidade do endossante tanto pela aceitação quanto pelo pagamento da letra, nos termos do que dispõe o art. 15 da Lei Uniforme, não é assim considerado pelo art. 914 do CC, que estipula que, “ressalvada cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título”. Como vimos, no entanto, tal estipulação não tem o condão de revogar a lei especial sobre o assunto (CC, art. 903), razão pela qual permanece em vigor o art. 15 da Lei Uniforme.
Poderá o endossante consignar no título cláusula proibindo um novo endosso e nesse caso ele não mais será responsável pelo pagamento, ou seja, para os que posteriormente endossaram o título o endossante, que havia pedido tal ocorrência, se desvincula da qualidade de garante. Embora tenha proibido novo endosso, o título continuará a circular e poderá receber novos endossos, sendo que essa proibição aposta por um determinado endossante apenas vincula os posteriores e a si mesmo. Note-se que em relação aos endossantes anteriores ele ainda possui a qualidade de garante, perdendo tal qualidade somente em relação aos endossantes posteriores.
O endossante, portanto, assume posição de garante quanto ao pagamento do título, obrigando-se inclusive ao pagamento quando este tiver sido aceito e o aceitante não efetuar o pagamento no vencimento. No caso da recusa total ou parcial do aceite, o endossante se obriga ao pagamento pelo fato de ser considerado devedor indireto do título. E, quando não for o título aceito ou quando houver recusa parcial, o endossante, assim como o sacador, tornam-se devedores diretos e solidários da obrigação. Se o sacador apuser sua assinatura e aceitar a ordem que lhe foi dada de pagamento da obrigação, o endossante torna-se devedor indireto, solidário e de regresso, haja vista ser esse o vínculo do endossante com o título. É devedor indireto porque o credor tem de provar, mediante protesto, que o sacador, ou seja, aquele que deveria pagar, não efetuou o pagamento. A solidariedade, como se sabe, não pode ser presumida – é decorrente de lei e, portanto, o credor poderá demandar qualquer um dos endossantes que se obrigaram pelo pagamento do título de forma coletiva ou individual sem ter de se preocupar com a ordem das assinaturas, com a ordem na qual foi dado o endosso.

4.4 Requisitos

O endosso é o ato puro e simples – basta a simples assinatura do próprio punho do endossador ou do mandatário especial, no verso da letra, para que tenha validade. Dessa forma, o endosso corresponde a uma declaração de vontade abstrata, não interessando ao direito cambiário o fato que ensejou a transferência do título. É ato formal porque deve ser lançada a assinatura do endossante no título ou na folha anexa a ele, conforne se verifica nos arts. 13 da Lei Uniforme e 910 do CC, não sendo considerado o endosso quando firmado em documento apartado do título. Note-se que a folha na qual consta o rol de endossos deve estar anexa ao título.

4.5 Modalidades

O endosso possui duas modalidades: endosso em branco e endosso em preto.
Vejamos cada uma delas.

4.5.1 Endosso em branco

Endosso em branco é aquele que é dado com a simples assinatura do endossante no verso ou na face do título, sem que conste a designação da pessoa a quem se transfere o título. Para que haja a transferência do título basta a tradição manual e, então, a circulação se faz como se ao portador fosse. Cabe ressaltar que a Lei 8.021/90, em seu art. 2º, II, veda a emissão de títulos ao portador ou nominativos-endossáveis; entretanto, basta que o endosso em branco seja convertido em endosso em preto quando da apresentação do título para pagamento. Assim, mesmo vedado por lei, pode o título circular livremente em branco desde que no instante de seu pagamento seja preenchido.
Sendo em branco o endosso, seu titular, ao transferi-lo, poderá optar por preencher o espaço em branco, tornado o endosso em preto, ou simplesmente transferir o título sem lançar seu nome nele. Veja-se que o título com endosso em branco passa a ser um título ao portador, significando que sua titularidade se comprova com a simples posse do título, circunstância esta que traz ao possuidor do título certa insegurança, especialmente na hipótese de extravio, perda ou roubo.
Quando o endosso for em branco poderá o portador, como forma de prevenção, lançar seu nome acima da assinatura do endossante ou o nome da pessoa a quem deseje transferir, ficando ao mesmo tempo como proprietário legítimo do título, muito embora não esteja vinculado à obrigação cambiária, vez que sua assinatura no título não lançou.

4.5.2 Endosso em preto

Endosso em preto, pleno ou completo é aquele no qual se verificam todos os elementos do endosso: cláusula de transmissão (“pague-se a fulano...”), nome do endossatário (nome da pessoa a quem a letra é transferida) e assinatura do endossante (ou de seu mandatário com poderes especiais). Conforme expõe Fran Martins, somente a assinatura deve ser de próprio punho – as demais podem ser escritas por terceiros ou datilografadas, feitas por carimbo, impressas etc. Explica ainda o autor que o tomador, primeiro proprietário da letra, não tem necessariamente de endossar em preto: poderá endossar em branco, tornando o título ao portador.

4.6 Espécies de endosso

O endosso pode ser classificado em próprio e impróprio. Será próprio o endosso que tenha como função a efetiva transferência dos direitos emergentes do título de crédito, e, se presente a cláusula de obrigação, torna o endossante responsável pelo seu aceite e pagamento. No entanto, encontramos algumas espécies de endosso que não geram os efeitos acima mencionados. Por tais espécies de endossos impróprios o endossante transfere tão-somente o exercício dos direitos relativos ao título, sem que se opere a transferência dos direitos inerentes ao título. Os endossos impróprios podem ser das seguintes espécies: a) endosso mandato e b) endosso caução. Vejamos cada um deles.

4.6.1 Endosso-mandato

O endosso-mandato ou endosso-procuração é aquele pelo qual o endossante constitui o endossatário como seu procurados, que passa a ter poderes para a prática de todos os atos necessários para o efetivo recebimento da quantia estampada no título. Veja-se que, muito embora possa o endossatário exercitar os direitos decorrentes do título, o crédito continua a pertencer ao endossante, que nomeia aquele como seu procurador para a cobrança do débito. Referida espécie de endosso é bastante comum no relacionamento entre empresas que contam com um grande volume de títulos de crédito e os bancos que, ao serem contratados para proceder à cobrança dos títulos, são constituídos procuradores de seus clientes por meio do endosso-mandato. Feita a cobrança dos títulos pelo banco, o endossante tem os respectivos valores depositados em sua conta corrente.
O endosso-mandato é, na verdade, forma simplificada de constituição de procurador, que dispensa a feitura de um contrato de mandato (procuração), bastando a aposição da assinatura do endossante no título, acompanhada da expressão “valor a cobrar”, ou “por procuração”, para que o mandato se perfaça.
Assim como ocorre ordinariamente no contrato de mandato, o mandatário é obrigado a dar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens provenientes do mandato, ou seja, o endossatário, ao receber o pagamento efetuado pelo devedor do título, deverá transferir a quantia recebida ao endossante, devendo ser reembolsado por este das quantias despendidas com a execução do mandato.

4.6.2 Endosso-caução

Endosso-caução ou endosso-penhor é a espécie de endosso por meio do qual o endossante transfere ao endossatário a letra apenas como forma de garantir outra obrigação. O CC, a exemplo do que prevê a Lei Uniforme (art. 19), em seu art. 918 contempla essa espécie de endosso, estabelecendo que “a cláusula constitutiva de penhor, lançada no endosso, confere ao endossatário o exercício dos direitos inerentes ao título”.
Sendo impróprio o endosso-caução não enseja a transferência da propriedade do título, constituindo-se, isto sim, em instrumento de garantia de uma obrigação extracartular entre o portador do título (devedor) e terceiro (credor). Tal endosso pode se apresentar pelas expressões “endosso em garantia”, “valor em garantia” ou “endosso em penhor”.
Ao credor da caução (endossatário) é permitido praticar todos os atos necessários ao exercício dos direitos emergentes do título. Em seu próprio nome e sem a necessidade de consentimento específico por parte do endossante, poderá utilizar-se de todos os meios legais para a efetiva cobrança ao devedor do título, levá-lo a protesto, além de mover ações judiciais cabíveis para assegurar seus direitos.
No endosso-caução, o devedor cambiário não poderá opor ao endossatário as exceções pessoais que eventualmente tenha perante o endossante, salvo se o endossatário comprovadamente agiu de má-fé (CC, art. 918, § 2º). Luiz Emygdio F. da Roda Jr. Nos dá o seguinte exemplo: “Tal ocorre quando o portador, ao receber o título, tem ciência da exceção que poderia ser oposta pelo devedor ao endossante, se este ajuizasse a ação cambiária. Assim, o endosso-caução visou a subtrair do devedor a possibilidade de argüir a exceção, tendo, portanto, o portador agido conscientemente em detrimento do devedor, ficando vulnerável à evocação de exceções relativas ao endossante”.
O endossatário do endosso-caução poderá proceder a novo endosso no título, desde que o faça na qualidade de procurador do endossante, com o objetivo de facilitar a sua cobrança, tal qual ocorre com o endosso-mandato, visto anteriormente.