quinta-feira, 6 de março de 2008

Revista Galileu - Março 2008

Deciframos os Mistérios de Lost

Estilo: Atualidades
Edição: Março 2008
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quarta-feira, 5 de março de 2008

Superinteressante - Março 2008

A cadeia como você nunca viu

Estilo: Atualidades
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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS

1. Princípios constitucionais do processo penal

Neste tópico serão analisados os mais importantes princípios que regem o direito processual constitucional, do qual derivam outros postulados igualmente relevantes, todos necessários ao viço do sistema jurídico, ao qual servem como seiva e como raiz.

1.1. Princípio da humanidade

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, assinala o princípio da humanidade e da dignidade já no seu preâmbulo, onde estão as consideranda que motivaram o ato internacional: "Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...) Considerando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana (...)".Os arts. V e VI dessa Declaração afirmam o princípio da hunanidade, estabelecendo que no plano internacional "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante" e que "Todo homem tem o direito de ser em todos os lugares reconhecido como pessoa perante a lei".Por sua vez, o Pacto de Nova Iorque, de 1966, declara que "Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana". A privação de liberdade implica, necessariamente, um processo. Resulta, portanto, clara a obrigação dos órgãos de persecução e julgamento de respeitar os direitos personalíssimos do acusado no processo e durante sua tramitação.Já a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, estabelece, em seu art. 11, §1º, que "Toda pessoa humana tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade" e no art. 32, §1º, que "Toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a humanidade". Aquele direito e este dever são correlatos e inseparáveis, sendo endereçados também aos órgãos estatais de Justiça criminal.Derivando de um dos fundamentos republicanos, constante do art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que exalça a dignidade da pessoa humana, o princípio da humanidade extrai-se também do art. 5º, incisos III e XLIX, da mesma Carta.Ao declarar, no terceiro inciso do art. 5º que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante", o constituinte especificou indiretamente duas garantias processuais, as de que:a)o processo penal não pode servir como meio para a aplicação da pena de tortura ou da pena de morte ou para a sujeição de quem quer que seja a tratamento desumano ou degradante, como sanção final;b)o processo penal não pode assumir ele mesmo forma desumana, com procedimentos que exponham o homem a posições ou situações degradantes, torturantes ou a vexames.Implica, portanto, o direito ao respeito, de que toda pessoa humana é titular, cabendo ao Estado providenciar:a)processo acusatório de curta duração;b)limitação de causas de prisão anterior à sentença condenatória definitiva;c)separação dos presos provisórios dos presos condenados; ed)tratamento distinto para as pessoas processadas (não-condenadas).Ao seu turno, o art. 5º, inciso XLIX, da Carta Federal, garante aos "presos o respeito à integridade física e moral", significando que ao homem sujeito do processo penal só se lhe retira parte da liberdade (a de locomoção extra muros), não lhe sendo tolhida a dignidade. Vale dizer: mesmo preso ou condenado o homem preserva o direito personalíssimo à sua integridade física, moral e psíquica, com o que se vedam também formas de tortura mental e ameaças à sanidade intelectual dos imputados.Para a exata compreensão desses dogmas e sua efetividade no processo penal, vale recordar a lição de BETTIOL, segundo quem "O juiz vive e opera num determinado clima político-constitucional em que a pessoa humana representa o valor supremo; e é a posição desta que o Juiz é chamado a escolher entre duas interpretações antitéticas de uma norma legal".

1.2. Princípio da legalidade

Este princípio, que tem evidente interesse processual, não se acha colocado apenas no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, onde se anuncia que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".A diretriz está também, como conseqüência, no art. 22, inciso I, da mesma Constituição, que determina competir privativamente à União legislar sobre direito processual, o que invalida, de pronto, qualquer iniciativa dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios de dispor sobre a matéria, salvo, para os dois primeiros entes, no tocante a procedimentos (art. 24, inciso XI, CF).A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão asseverava já em 1789 que "Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas", garantia que confere importância marcante ao Poder Legislativo, órgão de onde promanam as leis stricto sensu.Obviamente, na ausência de lei nenhum indivíduo submete-se à vontade do Estado. Processualmente, para que ocorra a sujeição do acusado às regras procedimentais e às restrições próprias do processo penal, exige-se um plus, que a lei tenha sido produzida pelo ente competente, que, neste caso, é a União Federal e que se trate de lei formal e lei material.Daí porque os códigos de processo são veiculados por lei federal, de âmbito nacional, diferentemente do que ocorria outrora, no regime constitucional de 1891, em que o processo era estadualizado. A unificação ocorreu com o Código de Processo Penal de 3 de outubro de 1941.Na esfera penal-processual, a diretriz da legalidade encontra espeque também no art. 5º, inciso XXXIX, da Carta Federal. Talvez seja essa a mais importante faceta da idéia de legalidade no campo penal, a que reproduz o brocardo nullum crimen, nulla pœna sine prævia lege, que acaba por conduzir à irretroatividade da lei penal gravior (inciso XL).É certo que quanto ao processo penal vige a regra tempus regit actum ou princípio do efeito imediato (art. 2º, Código de Processo Penal), segundo o qual os atos processuais praticados na forma da lei anterior são válidos, passando os atos futuros à esfera jurídica da lei processual nova. Portanto, embora deva-se atender ao critério de legalidade, não se há de falar em irretroatividade da lei processual penal.Todavia, nalguns casos de normas mistas, penais e processuais, o instituto processual não poderá ser aplicado de pronto, para os processos em curso, pois isso significaria também a retroatividade da norma estritamente penal, o que é proibido pelo ordenamento quando a norma for desfavorável ao réu. Teríamos então a ultra-atividade da lei processual anterior.

1.3. Princípio da igualdade judicial

Segundo o art. 5º, inciso I, da Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, em direitos e obrigações. Assim, ainda que subjetivamente desiguais, os cidadãos merecem igual tratamento jurídico.Ou seja, essa cláusula geral de isonomia perante a lei traduz-se também em igualdade processual. Embora na ação penal pública o Estado se faça presentar pelo Ministério Público, a parte pública não tem maiores poderes que a parte privada ré, o indivíduo. Ambos estão no mesmo plano de igualdade, com os mesmos poderes e faculdades e os mesmos deveres processuais, diferentemente do processo civil em que a Fazenda Pública e o Ministério Público têm prazos mais dilatados para recorrer e contestar, além de outros privilégios previstos no Código de Processo Civil.Todavia, no processo penal a isonomia é mais efetiva. Caso seja violado esse princípio, a ação penal torna-se nula.O art. 14, §1º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos — Pacto de Nova Iorque estabelece que "Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça". As implicações do postulado parecem interessantes quando ele é posto em confronto com a prerrogativa especial de função, dirigida a certas autoridades públicas e agentes políticos.Do ponto de vista do sujeito passivo da demanda penal, não haveria nesse privilégio funcional uma violação ao direito à igualdade processual? As razões estatais para tal espécie de prerrogativa não nos convencem. Não se diga que com o foro especial protege-se a função pública ou a dignidade do cargo. Ora, esta não precisa de nenhuma proteção dessa ordem: a função ou o cargo não são sujeitos de direitos, não ficam maculados pela conduta ímproba ou desonrosa do agente político que a exerça ou que o ocupe. Ao fim e ao cabo, é mesmo o indivíduo (autoridade) que se beneficiará do foro privilegiado e, por conseguinte, de eventual impunidade. Aliás, esta tem sido muito comum nos últimos anos no Brasil, servindo de nutriente para as teses do direito penal máximo.Outra razão nos leva a deplorar o foro especial por prerrogativa de função. O julgamento criminal do indivíduo deve-se dar sempre pelo Poder Judiciário, que é composto por órgãos de primeira e segunda instância e encimado por tribunais superiores. Por que se haveria de imaginar que o detentor do foro especial estaria melhor "protegido" por ser julgado num tribunal e não diretamente por um juiz de direito? Qual é a base racional para se acreditar que a função estatal será melhor tratada ou que o interesse público será melhor atendido, do ponto de vista processual, numa instância superior?Ainda que julgado pelo juízo de primeira instância, o agente político que hoje detém a prerrogativa de foro especial inevitavelmente acabaria por ter sua causa penal revista, em grau recursal, por um tribunal, seja pelas cortes estaduais de justiça, pelas cortes regionais federais ou pelos tribunais superiores.Onde estaria então o risco para a "função pública"? Que prejuízo é esse que poderia advir de um julgamento direto, como o a que têm direito os cidadãos "comuns"? Se esse suposto risco existe para os detentores de função pública, existe também (e talvez em muito maior grau) para os pobres homens do Povo.Sendo, assim, que se excluam da Constituição as diferenças e que se eliminem os privilégios judiciais (ou, eufemisticamente, as prerrogativas especiais de função), implantando-se uma geral e benfazeja isonomia processual.

1.4. Princípio do juiz e do promotor naturais

Extrai-se do art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, o princípio do juiz natural. "Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Com isso garante-se a existência de um órgão julgador técnico e isento, com competência estabelecida na própria Constituição e nas leis de organização judiciária de modo a evitar que se materialize o dogma nulla pœna sine judice.Igualmente daí se recolhe a idéia do promotor natural, já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em interpretação dada a esse cânon e aos arts. 127 e 129 da CF, que têm em mira assegurar a independência do órgão de acusação pública, o que também representa uma garantia individual, porquanto se limita a possibilidade de persecuções criminais pré-determinadas ou a escolha "a dedo" de promotores para a atuação em certas ações penais.Também relacionada ao princípio do juiz natural é a diretriz magna que veda a instalação de juízos e tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII, CF). Tratando-se de limitação ao poder do Estado de organizar as suas cortes e tribunais, a norma vincula-se às idéias de jurisdição e competência e é nitidamente uma regra de interesse processual penal.A conseqüência é que será nula qualquer sentença condenatória (e mesmo absolutória) que advier de um juízo excepcional ou de um tribunal instituído ex post factum.Previstas no Código de Processo Penal e nas leis de organização judiciária, são exceções ao princípio os casos de:a)desaforamento de processos de competência do tribunal do júri;b)substituições entre juízes, em razão de férias, falecimento, afastamento temporário;c)e modificações usuais de competência, pela criação de novas varas ou juízos ou pela redistribuição de processos.

1.5. Princípio do devido processo legal

Inserido no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o princípio due process of law determina que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".A garantia vale tanto para o processo civil ("de seus bens") quanto para o processo penal ("da liberdade") e é uma conquista do humanismo britânico, repartindo-se em procedural due process e substantive due process.A França não descurou desse princípio. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão asseverava já em 1789 que "Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos (...)".A Declaração das Nações Unidas, de 1948, repete a regra no seu art. IX: "Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado". Por arbítrio, entende-se a inexistência de lei ou o abuso de direito.Está claro que tal liberdade pública mantém íntima relação com o princípio da legalidade (ora, trata-se do devido processo legal), reclamando a devida persecução penal, limitada pela lei processual.Por igual, verifica-se também facilmente que é do due process of law que se retira a proibição de admissão de provas ilícitas no processo (art. 5º, LVI, CF). Descumprida tal garantia, a sanção é de nulidade em conformidade com a teoria fruit of the poisonous tree ("fruto da árvore envenenada"), acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. Lembre-se, contudo, que essa vedação não é absoluta, devendo ser vista em cotejo com o princípio da proporcionalidade, a fim de que não haja grave prejuízo material ao direito substancial discutido ou protegido, apenas para se dar atendimento a uma forma procedimental.O princípio da vedação de provas ilicitamente obtidas foi acolhido no plano internacional pela Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pelo ONU em 10 de dezembro de 1984. Integrado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto n. 40/91, o tratado tem força de lei ordinária em nosso País.Segundo o art. 15 dessa Convenção "Cada Estado-Parte assegurará que nenhuma declaração que se demonstre ter sido prestada como resultado de tortura possa ser invocada como prova em qualquer processo, salvo contra uma pessoa acusada de tortura como prova de que a declaração foi prestada".Ou seja, em consonância com a garantia contra a auto-incriminação, o depoimento de pessoa torturada (declaração viciada e, portanto, nula) não pode ser utilizado no processo civil ou penal para servir de prova contra ela. Admite-se apenas a sua utilização processual para sustentar a acusação, noutro processo, contra o próprio torturador.

1.6. Princípio da publicidade

Igualmente relevante é o princípio da publicidade, que se dirige a toda a Administração Pública (art. 37) e também à administração da justiça penal.Decorrência da democracia e do sistema acusatório, o princípio processual da publicidade encontra guarida no art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal, que declara: "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".A publicidade surge como uma garantia individual determinando que os processos civis e penais sejam, em regra, públicos, para evitar abusos dos órgãos julgadores, limitar formas opressivas de atuação da justiça criminal e facilitar o controle social sobre o Judiciário e o Ministério Público."O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça", determina o art. 8º, §5º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A regra, tamanha a sua importância, é reafirmada no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, conforme o qual "todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)".A publicidade, como garantia, aparece também no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal, que assegura a todos o direito de "receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (...)".Há dois aspectos do princípio da publicidade:a)a publicidade geral ou plena, como regra para todo e qualquer processo;b)a publicidade especial, em que se restringe a audiência nos atos processuais e as informações sobre o processo às partes e procuradores, ou somente a estes.Como crítica ao princípio, reconhecem benefícios e malefícios. O maior dos benefícios é a dificultação de abusos, exageros, omissões e leviandades processuais, pela possibilidade de constante controle das partes, dos advogados, do Ministério Público, da imprensa e da sociedade. O mais deplorável dos malefícios (ou talvez o único) é a possibilidade de haver, com a publicidade, a exploração fantasiosa ou sensacionalista de fatos levados a discussão nos tribunais.Para evitar esses abusos midiáticos, em certas causas e situações há exceções ao princípio da publicidade plena, como quando a divulgação da informação ou diligência represente risco à defesa do interesse social ou do interesse público; à defesa da intimidade, imagem, honra e da vida privada das partes; e à segurança da sociedade e do Estado.Exemplos dessas restrições estão no:a)art. 792 e §1º, do CPP (caso genérico);b)arts. 476 e 481 do CPP (votação no júri);c)art. 217 do CPP (retirada do réu);d)art. 748 do CPP (registro da reabilitação);e)art. 20 do CPP (sigilo no inquérito policial);f)art. 202 da Lei das Execuções Penais; eg)art. 3º da Lei Federal n. 9.034/95.

1.7. Princípio do estado de inocência

Previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição brasileira, este princípio é também denominado "da presunção de inocência" ou da "presunção de não-culpabilidade".Acolhida também nos tratados internacionais sobre direitos humanos, esta garantia representou ao tempo de sua introdução nos sistemas jurídicos um enorme avanço. Ninguém poderia ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Já constava da Declaração Francesa de 1789 no art. 9º: "Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado (...)".A Declaração Universal de 1948 assentou, com mais detalhes, que "Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa" (art. XI).Como corolário dessa idéia, foi preciso desenvolver o sistema acusatório, atribuindo-se a um órgão público a missão de alegar e provar os fatos criminais, em nome do Estado, desfazendo a presunção legal que vigora em prol do indivíduo.A presunção de inocência prevista, de forma positivada, desde 1789, foi repetida também no art. 8º, §2º, do Pacto de São José da Costa Rica (introduzido no Brasil pelo Decreto Federal n. 678/92) e no art. 14, §2º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966.A jurisprudência, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça, tem afirmado que as medidas coercitivas ou as providências restritivas do jus libertatis anteriores à decisão condenatória definitiva não ofendem o princípio da presunção de inocência.Sinaliza a Súmula 9 do STJ no sentido de que "A exigência de prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência". Tal enunciado não passou imune a críticas, mas desde que bem compreendido e aplicado com restrições, não causa dano ao jus libertatis nem ao estado de inocência do acusado.Assim, observados atenta e devidamente os requisitos de necessidade e cautela; cumprido o art. 312 do Código de Processo Penal; e atendida a exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, não violam tal garantia provimentos que dêem aplicação ao art. 393, inciso I, do CPP, que trata do recolhimento à prisão como efeito da sentença condenatória recorrível, bem como ao art. 594, do mesmo código e ao art. 35, da Lei Federal n. 6.368/76, que exigem, ambos, o recolhimento do réu à prisão como condição para a apelação.É também constitucional, para o STJ, o art. 2º, §2º, da Lei Federal n. 8.072/90, que determina que em caso de sentença condenatória por crime hediondo "o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade". Este posicionamento é censurável, tendo em conta que a presunção legal é de não-culpabilidade. Portanto, o que o juiz deveria decidir fundamentadamente é se o réu precisaria recolher-se à prisão para apelar até o trânsito em julgado da decisão, e não o contrário. Isto é evidente, porque a regra é poder o réu, em qualquer caso, apelar em liberdade.Dito isto, é preciso observar que as conseqüências do princípio do estado de inocência são resumidamente:a)a de estar obrigado o julgador a verificar detidamente a necessidade da restrição antecipada ao jus libertatis do acusado, fundamentando sua decisão;b)a de atribuir inexoravelmente o ônus da prova da culpabilidade do acusado ao Ministério Público ou à parte privada acusadora (querelante);c)concomitantemente, o efeito de desobrigar o réu de provar a sua inocência;d)o de assegurar a validade da regra universal In dubio pro reo, aplicada no direito anglo-saxônico com o nome de reasonable doubt, que sempre favorece a posição jurídica do acusado; ee)a revogação (ou não recepção) do art. 393, inciso II, do Código de Processo Penal, que mandava lançar o nome do réu no rol dos culpados, por ocasião da sentença condenatória recorrível.
Art. 11 da DUDH, de 1948 (ONU)

1.8. Garantia contra a auto-incriminação

Dispõe o art. 14, §3º, alínea ´g´, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos — Pacto de Nova Iorque que toda pessoa humana tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessar-se culpada.É também garantia judicial internacional, no continente americano, por força do art. 8º, §2º, alínea ´g´, do Pacto de São José da Costa Rica o direito que toda pessoa tem de "não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada". Quer dizer, nenhuma pessoa é obrigada a confessar crime de que seja acusada ou a prestar informações que possam vir a dar causa a uma acusação criminal.A Quinta Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América assegura tal garantia desde o século XVIII. Desde sua adoção nenhuma pessoa "shall be compelled in any criminal case to be a witness against himsel." Trata-se do "privilege against self incrimination", que, entre nós, denomina-se garantia contra a auto-incriminação.Embora a confissão seja tida doutrinariamente como a "rainha das provas", não se pode, no processo penal, constranger a isso o acusado. Vale dizer: confissão, só espontânea e/ou voluntária. Qualquer informação obtida do réu (ou mesmo de testemunha) mediante coação configurará o crime de tortura, previsto na Lei n. 9.455/97.No sistema brasileiro, admite-se que o indiciado ou réu minta, que negue relação com o fato, que cale a verdade, que fantasie, que amolde versões aos seus interesses. Trata-se da regra de ouro Nemo tenetur se detegere, insculpida no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição com a seguinte redação: "O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (...)".É dizer: ninguém é obrigado a colaborar com o Estado (Polícia Judiciária e Ministério Público) para o descobrimento de um crime de que se é acusado ou do qual se possa vir a ser acusado. Sobre o Estado, no sistema acusatório, recaem o ônus da prova e a missão de desfazer a presunção de inocência que vigora em favor do acusado, sem esperar qualquer colaboração de sua parte.Em razão desta regra, não foi recepcionado no ordenamento pátrio o disposto no art. 186, parte final, do Código de Processo Penal, segundo o qual, por ocasião do interrogatório do acusado, "o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa".De igual modo, derrogado está a segunda parte do art. 198 do Código de Processo Penal, conforme o qual "O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz". De sorte que, desde 1988, não pode o magistrado considerar o silêncio do réu em desfavor do processado.Estas normas, como se evidenciou, não mais têm aplicação no País. Os réus continuam desobrigados de responderem às perguntas do juiz, e agora têm o direito de manter-se em silêncio. E só. Desse estado ou dessa postura, em juízo ou no interrogatório policial, nada advirá em prejuízo do acusado. A única implicação lógica admissível do princípio é a de que continuará cabendo ao Ministério Público ou ao querelante (na ação penal privada) a prova da culpabilidade do réu.Interessante notar, porém, que se o réu não desejar exercer esse direito ao silêncio ou a ele renunciar, poderá ser "compensado" pelo sistema criminal, por meio dos institutos da delação premiada e da confissão espontânea.No primeiro caso, lei especial prevê redução da pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) para o réu delator (co-autor ou partícipe) que "através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa". É o que se dá por força do art. 16, parágrafo único, da Lei Federal n. 8.137/90, que cuida dos crimes contra a ordem tributária, a ordem econômica e as relações de consumo.O mesmo efeito decorre do art. 6º da Lei n. 9.034/95 — Lei de Combate ao Crime Organizado, que permite a redução da pena de 1/3 a 2/3, "quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria".No segundo caso, confissão simples espontânea, a auto-declaração de culpabilidade conferirá ao réu o direito de redução da pena, em grau estabelecido pelo juiz, em virtude do reconhecimento de circunstância atenuante genérica, prevista no art. 65, inciso III, alínea ´d´, do Código Penal: "são circunstâncias que sempre atenuam a pena, ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime".Como se vê, nas duas situações, a renúncia ao direito constitucional de manter-se em silêncio converte-se em benefícios penais, com redução expressiva da resposta estatal.Tratamento mais favorável ao delinqüente colaborador também está presente no art. 1º, §5º, da Lei n. 9.613/98 — Lei de Lavagem de Capitais, quando o réu, co-autor ou partícipe "colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores obeto do crime".Outros dois institutos reducentes de reprovabilidade penal, relacionados com a regra Nemo tenetur se detegere, estão no art. 14 da Lei n. 9.605/98 — Lei Penal Ambiental, que prevê a atenuação da pena:a)por comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental (inciso III); eb)pela colaboração do réu com os servidores encarregados da vigilância e do controle ambientais (inciso IV).Perceba-se que, em qualquer das situações acima analisadas, o réu preserva o seu direito ao silêncio e continua desobrigado de colaborar com as autoridades. Mas se resolver falar, cooperando, será premiado com a redução da pena.

1.9. Princípio do contraditório

Correspondem ao movimento democratizante, humanizador e garantista do processo penal, os princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LV, CF), segundo os quais "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".A Sexta Emenda à Constituição dos Estados Unidos declara que "In all criminal prosecutions, the accused shall enjoy the right to a speedy and public trial, by an impartial jury of the State and district wherein the crime shall have been committed, which district shall have been previously ascertained by law, and to be informed of the nature and cause of the accusation; to be confronted with the witnesses against him; to have compulsory process for obtaining witnesses in his favor, and to have the Assistance of Counsel for his defence".Como se vê tais princípios se destinam ao processo em geral, tanto o civil quanto o penal e ainda o processo administrativo, que, no Brasil, é de natureza não-judicial.Todavia, não são garantias absolutas. Há situações em que o contraditório (acusação e defesa, prova e contra-prova) não pode ser garantido desde logo, tendo sua aplicação diferida. É o que ocorre, por exemplo, com o procedimento de interceptação de comunicações telefônicas, regulado pela Lei n. 9.296/96, em que não se pode em nenhuma hipótese anunciar previamente ao investigado a realização da diligência de escuta judicialmente autorizada, sob pena de total insucesso da investigação criminal.Para o Supremo Tribunal Federal, a garantia do contraditório não vigora, também, nos pedidos de quebra de sigilo bancário, porquanto em tais situações o anúncio da disclosure poderá levar à mobilização de somas em dinheiro e sua conversão em ativos móveis, o que dificultaria sobremaneira a reparação do dano ou o eventual seqüestro dos bens.Tais considerações, entretanto, precisam ser bem entendidas. Não é que de fato inexista contraditório nesses procedimentos. Significa apenas que a oportunidade de conhecimento da medida apuratória ou das provas colhidas na investigação inquisitorial, e o ensejo de contestação a elas e produção de contra-provas serão dados ao investigado/réu em momento posterior, garantindo-se assim a ampla defesa.Certo, por outro lado, é que não há incidência do contraditório no inquérito policial, que é procedimento administrativo pré-processual, inquisitorial, presidido pela Polícia Judiciária, destinado à formação da opinio delicti do Ministério Público e a subsidiar a ação responsável do Estado em juízo, evitando lides penais temerárias.Destarte, o contraditório, que em lógica implica a existência de "duas proposições tais que uma afirma o que a outra nega", tem como corolários ou implicações:a)a igualdade das partes ou isonomia processual;b)a bilateralidade da audiência e a ciência bilateral dos atos processuais (audiatur et altera pars);c)o direito à ciência prévia e a tempo da acusação, podendo o acusado "dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa";d)o direito à ciência precisa e detalhada dessa acusação;e)direito à compreensão da acusação e do julgamento, ainda que por meio de tradutor ou intérprete;f)o direito à ciência dos fundamentos fático-jurídicos da acusação;g)a oportunidade de contrariar a acusação e de apresentar provas e fazer ouvir testemunhas;h)a liberdade processual de especificar suas provas e linha de defesa, escolher seu defensor e mesmo de fazer-se revel.Não se pode deixar de perceber a relação da idéia de contraditório com o princípio filosófico do terceiro excluído, segundo o qual "Se duas proposições são contraditórias, uma delas é verdadeira e a outra é falsa". Na dialética processual, caberá ao magistrado realizar a síntese das posições antitéticas (a tese do Ministério Público e a antítese do defensor), declarando, ao fim, a verdade da acusação e a falsidade da defesa, ou vice-versa.

1.10. Princípio da ampla defesa

Também é preciso situar o direito à ampla defesa no contexto do processo penal. A defesa é o mais legítimo dos direitos do homem. A defesa da vida, a defesa da honra e a defesa da liberdade, além de inatos, são direitos inseparáveis de seus respectivos objetos. A manutenção da liberdade implica a ação defensiva dessa mesma liberdade, ainda que in potentia. Do mesmo modo, não se pode conceber a vida, sem o direito presente de mantê-la e de defendê-la contra ameaças ou agressões injustas ou ilegais, atuais ou iminentes.Assim, também no processo penal, em que estão em jogo a liberdade e o patrimônio dos acusados, bem como suas honras. Ao lado da vida, esses são os bens mais valiosos do homem, que o diferenciam da imensa massa dos seres. Por isso, nesse campo, quando um desses bens é posto na berlinda, a defesa deles deve ser amplamente assegurada, "com todos os meios e recursos a ela inerentes".A defesa criminal pode ser técnica, quando realizada por meio de advogado, ou pessoal. Neste caso, o réu assumiria a proteção processual dos seus próprios interesses em face da acusação contra si apresentada.Embora prevista em tratados internacionais, a defesa pessoal no processo penal brasileiro só é conhecida por ocasião do interrogatório. Esta é a única oportunidade que o acusado tem de falar por si, diretamente ao julgador, sem a intermediação do seu procurador. Trata-se de importante forma de defesa oral, que deve ser devidamente considerada pelo juiz por ocasião da sentença, ainda que outra seja a tese sustentada pela defesa técnica.A exceção quanto à refutação pessoal somente confirma a regra, que, no Brasil, é a da imprescindibilidade de defesa técnica, na forma do art. 261 do Código de Processo Penal.Para assegurá-la às inteiras, é preciso permitir ao réu pelo menos:a)o conhecimento claro e prévio da imputação;b)a faculdade de apresentar contra-alegações;c)a faculdade de acompanhar a produção da prova;d)o poder de apresentar contraprova;e)a possibilidade de interposição de recursos;f)o direito a juiz independente e imparcial;g)o direito de excepcionar o juízo por suspeição, incompetência ou impedimento;h)o direito a acusador público independente; ei)o direito a assistência de defesa técnica por advogado de sua escolha.Quanto a este último aspecto, realçamos a previsão do art. 14, §3º, alínea ´d´, do Pacto de Nova Iorque, que assegura a todo acusado o direito de "estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha; de ser informado, caso não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo e, sempre que o interesse da justiça assim exija, de ter um defensor designado ex officio gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-lo".Semelhantemente, no art. 8º, §2º, alínea ´d´, do Pacto de São José da Costa Rica, está a garantia do acusado de "defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se livremente e em particular, com seu defensor".Quanto a este último aspecto, o Estatuto da OAB especifica entre os direitos do advogado o de "comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis" (art. 7º, inciso III).Daí resulta que a incomunicabilidade dos acusados, ainda que judicialmente decretada na forma do art. 21 do Código de Processo Penal, não impede o contato direto do advogado com o seu cliente. Esta garantia profissional do advogado é imprescindível ao asseguramento da ampla defesa do acusado. O direito profissional é uma das manifestações do direito constitucional do acusado a uma defesa efetiva e larga.Como se viu parágrafos acima, é direito positivo, interno e também internacional, a garantia de defesa técnica ou pessoal no processo criminal, admitindo-se a indicação de defensor dativo para o réu, ainda que este não deseje, pois não é tolerável nem razoável admitir que alguém possa ser acusado de um crime sem defender-se.Destarte, do direito à ampla defesa decorre o dever do Estado de providenciar ampla defesa para o acusado e de velar pela sua efetividade. Quanto a este, o acusado, o único direito de defesa que se lhe retira é o de não se defender. Ou seja, mesmo que o réu silencie em seu interrogatório sempre haverá defesa. Sem defesa, não há processo penal.Nessa mesma medida, é óbvio que a defesa deverá ser efetiva, uma vez que defesa técnica irreal, falha, omissa, leniente equivale a ausência de defesa, sendo causa de nulidade do processo.Além disso, parece-nos oportuno assinalar que o art. 261 do Código de Processo Penal foi derrogado pelos citados dispositivos convencionais. Os tratados internacionais têm força de lei ordinária no Brasil, seguindo o princípio temporal de que "lei posterior derroga lei anterior".Assim, em tese, seria possível a defesa processual realizada inteiramente pelo acusado in persona, sem concurso de advogado, já que a regra do art. 261 ("Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor") datada de 1941 foi suplantada pelo art. 8º, §2º, ´d´, do Pacto de São José da Costa Rica, e pelo art. 14, §3º, ´d´, do Pacto de Nova Iorque, que lhe são posteriores (1992) e permitem às inteiras a defesa pessoal.Todavia, esta possibilidade é um tanto temerária, pois a falta de defesa técnica pode prejudicar sobremaneira os interesses do acusado, em virtude da real ou potencial disparidade de armas entre o réu e o Ministério Público, sempre profissional.Demais disso, a tese peca por olvidar que, por força do art. 133 da Constituição Federal (norma hierarquicamente superior aos citados tratados) o advogado é essencial à administração da justiça, principalmente a criminal. Isto se mostra mais claro ao se verificar que as hipóteses de jus postulandi existentes em nosso ordenamento aplicam-se apenas a procedimentos extrajudiciais. Quanto aos judiciais, admite-se a postulação direta, sem advogado, tão-somente nas reclamações trabalhistas em geral e nas ações cíveis de até 20 salários mínimos, reguladas pela Lei n. 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis.

1.11. Princípio do duplo grau de jurisdição

Este princípio não está expressamente previsto na Constituição Federal. Trata-se de uma diretriz implícita, que se constrói a partir do art. 5º, inciso LV, segunda parte, da Constituição, e dos arts. 92, 102, 105 e 108 da mesma Carta.Ora, se é garantida a ampla defesa, "com os meios e recursos a ela inerentes", assegura-se concomitantemente o direito de revisão da decisão por um órgão colegiado superior.De igual modo, se a Constituição regula a competência recursal dos tribunais superiores e dos tribunais regionais e a distribui a órgãos judiciais específicos, dando-lhes poder de julgar "em grau de recurso" as causas decididas pelas instâncias inferiores, está a Lex Legum implicitamente garantindo o direito ao acesso ao duplo grau de jurisdição.O direito ao duplo grau abrange:a)o direito ao reexame da causa, quanto ao mérito;b)o direito à revisão da pena;c)o direito à declaração de nulidades (reexame quanto à forma); ed)impropriamente, o direito de rescindir a condenação trânsita em julgado.Está também previsto tal princípio no Pacto de São José da Costa Rica e no Pacto de Nova Iorque. Todavia, nessas duas convenções a menção é expressa, valendo como lei ordinária no Brasil. Neste caso, como lei processual ordinária.Genericamente, o art. 9º, §4º, do Pacto de Nova Iorque determina que "Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá o direito de recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legalidade de seus encarceramento e ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal".Mais claro é o art. 15 do mesmo tratado: "Toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei".Neste passo, é oportuno assinalar o art. 5º, §2º, da Constituição Federal, que estabelece que "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".Esse dispositivo de extensão, além de fazer clara a importância dos princípios para a exegese constitucional, evidencia por igual que as diretrizes que regem essa hermenêutica não se encontram apenas no art. 5º, do rol de direitos, nem estão elencadas somente na Constituição; podem estar nas convenções internacionais de que o Brasil seja parte ou mesmo em outros pontos da Constituição, como no art. 228, que estatui que "São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial".Embora situado no capítulo VII, do Título VIII, da Constituição, que trata da ordem social, o art. 228 prevê legítimo direito individual, limitador da ação do Estado no processo penal. E, portanto, é também cláusula pétrea, em conformidade com o art. 60, §4º, inciso IV, da Carta Federal.Quanto ao instituto do reexame necessário, trata-se hoje de uma excrescência. É algo desnecessário porque as partes tecnicamente assistidas têm todas as condições para interpor recursos voluntários, não havendo porque prever a remessa necessária e automática à instância superior, para reexame da decisão. A permanência dessa anomalia no sistema acaba por fazer incidir sobre o julgador a pecha de "suspeito", sobre o acusador público a nódoa da "incompetente" e sobre ambos a suposição da conivência com o erro ou a fraude. Tal estorvo deve, assim, ser eliminado do sistema processual o mais rápido possível.


2. Princípios gerais do processo penal

Além dos princípios estritamente constitucionais e das regras internacionais, há os postulados que com eles e elas se relacionam e que se aplicam genericamente ao processo penal, por força de lei ordinária, de tratados ou como decorrência dogmática ou doutrinária.O fato de não estarem previstos na Constituição não lhes retira a importância, bastando lembrar a norma de extensão do art. 5º, §2º, da Constituição Federal.

2.1. Princípio da verdade real

Este axioma recomenda ao julgador e às partes — entre estas principalmente o Ministério Público — que se empenhem no processo para atingir a verdade real, para desvendá-la, para determinar os acontecimentos exatamente como se sucederam, a fim de permitir a justa resposta estatal.Segundo a doutrina mais moderna, capitaneada no Brasil por LUIZ FLÁVIO GOMES, é impossível alcançar a verdade real. No máximo, obtém-se a verdade processual ou a verdade judicial, o que dá no mesmo.O que importa observar é que nunca será possível reconstruir inteiramente o iter criminis, porquanto parte dele se processa no mundo subjetivo, na mente do delinqüente, sendo inalcançável pelo julgador e pelo Ministério Público, mesmo mediante confissão.De qualquer modo, o princípio da verdade real — que deve ser aplicado também ao processo civil, malgrado a resistência da doutrina — obriga:a)à busca do verdadeiro autor da infração;b)à punição desse pelo fato praticado, como praticado;c)à exata delimitação da culpabilidade do agente.Para atingir esse desiderato, permite-se, ao lado da iniciativa das partes, o impulso oficial pelo magistrado e a produção de provas ex officio, faculdade que é criticável pois pode contaminar o ente de razão do juiz, levando-o a pré-julgamento.Decorrem também desse princípio a redução das faculdades dispositivas das partes, quanto a prazos, procedimentos e formas, todos de ordem pública, bem assim a drástica limitação das ficções, transações e presunções, tão características do processo civil, mas quase totalmente vedadas no penal.Também em razão da verdade real, a confissão do réu, para alguns tida como regina probationum, passa a ser vista no processo penal como prova comum, a teor do art. 197do Código de Processo Penal, que dispõe: "O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância".A parte final do dispositivo deixa claro que a confissão só merecerá consideração se estiver em conformidade com a verdade processual, extraída das outras provas colhidas na instrução criminal, e desde que tenha sido obtida voluntariamente, sem coação.No entanto, há institutos processuais que impedem o atingimento da verdade real. Portanto, são exceções a esse princípio:a)a impossibilidade de rescisão de absolvição indevida (res judicata pro veritate habetur), ou seja, não é possível a revisão criminal pro societate;b)a perempção, que extingue o processo, na ação penal privada, em razão da contumácia ou da simples inércia do querelante;c)o perdão do ofendido na ação penal privada, como forma de extinção do processo, impedindo também a declaração da verdade real.

2.2. Princípio da oralidade

Igualmente relevante é o princípio da oralidade processual, em oposição ao lento e demorado procedimento escrito, tão ao gosto dos agentes processuais brasileiros.O procedimento oral, característico do sistema acusatório, tem a grande vantagem de tornar mais célere e mais leve a instrução criminal. Se bem aplicado, permite a concentração dos atos processuais em uma audiência, como se dá (rectius: como se deveria dar) no rito sumário dos delitos de tóxicos, previsto na Lei n. 6.368/76: ouvida de testemunhas, alegações orais e sentença em uma só audiência.Infelizmente, na prática forense, apresenta-se com uma regularidade espantosa a substituição do procedimento oral concentrado por um procedimento escrito, mais demorado. É comum ocorrer de as partes requerem prazo para a apresentação de memoriais escritos ou alegações finais na forma do rito ordinário.Entende-se que não há nulidade pela substituição de um procedimento mais simples (o sumário ou o sumariíssimo) por um outro mais complexo, como o ordinário. Quod abundat non nocet. Mas, se não há prejuízo para a defesa ou para o Ministério Público, ocorre prejuízo para a sociedade com a maior demora dos processos criminais.A oralidade, além dessa noção temporal, ligada à concentração dos atos, permite também inserir no processo penal o princípio da imediatidade, que confere maior proximidade ao julgador em relação às partes e à prova produzida, levando à mesma celeridade.Por igual, outra conseqüência da oralidade pode ser a garantia da identidade física do juiz, que não se aplica ao processo penal, segundo a doutrina, salvo excepcionalmente mediante a repetição voluntária dos atos processuais, determinada na forma do art. 502, parágrafo único, do Código de Processo Penal, ou analogicamente in bonam partem, na forma do art. 132 do Código de Processo Civil.Exemplos do princípio da oralidade no processo penal, conjuminado com as idéias de imediatidade e concentração, estão:a)no rito sumariíssimo da Lei Federal n. 9.099/95, decorrente do art. 98, inciso I, da Constituição Federal; eb)no rito sumário do art. 538, §2º, Código de Processo Penal.

2.3. Princípio da obrigatoriedade da ação penal

Fundando-se na necessidade de defesa social contra o crime, o princípio da obrigatoriedade da ação penal obriga o Ministério Público a atuar processualmente sempre que ocorra delito de ação penal pública.O princípio tem merecido críticas, pois não mais se coaduna com o processo penal democrático, no qual tem maior aceitação o princípio da oportunidade da ação penal pública, que confere um maior campo de discricionariedade ao Ministério Público.Aliás, o princípio da oportunidade está necessariamente ligado à idéia de intervenção mínima. Permitindo-se ao Ministério Público maior liberdade de decidir quando oferecer a denúncia ou não, estar-se-ia facilitando a intervenção penal mínima, sem abandonar-se o dever de defesa social.Isto torna-se ainda mais evidente quando consideramos que o princípio da oportunidade deriva do brocardo Nec delicta maneant impunita, ou seja, que nenhum crime permaneça impune. Evidentemente tal diretriz não se harmoniza com o direito penal mínimo. Ao contrário, serve à doutrina da lei e da ordem e da tolerância zero ou ao direito penal do terror.Atualmente, o Ministério Público está inteiramente vinculado à missão de denunciar, quando o fato seja típico e antijurídico. Preenchido o modelo legal, deve seguir-se a acusação. Não pode o Parquet manifestar opção de política criminal, salvo se adotar uma visão alternativa do direito penal. Como ente administrativo, a atividade do Ministério Público é vinculada, o que cerceia sua independência processual, ainda quando seja pro reo. Diante da fórmula típica, sempre deverá ser oferecida a denúncia.Abrindo-se maior espaço de discricionariedade ao Parquet, este órgão poderia verificar a oportunidade, a conveniência, a utilidade, a nocividade ou a economicidade da sua atuação processual, ou mesmo a sua razoabilidade, sem prejuízo de continuar existindo o controle dessa manifestação pela instância superior da Instituição, nos moldes do inquérito civil, ou mesmo na forma hoje prevista, pela aplicação do art. 28 do Código de Processo Penal, que posiciona o juiz como fiscal do princípio da obrigatoriedade.Todavia, esse posicionamento menos conservador ainda não encontra espeque na legislação processual, que, nos arts. 5º, 6º e 24 do Código de Processo Penal, acolhe o princípio da obrigatoriedade, tanto para a tarefa investigativa da Polícia Judiciária quanto para a atuação processual do Ministério Público.Há pouco espaço normativo (no direito positivo infraconstitucional, que fique bem entendido) para a aplicação do princípio da oportunidade da ação penal pública. Esse postulado deriva da regra magna minima non curat prætor, que hoje encontra descrição doutrinária como o princípio da insignificância.Um dos dispositivos úteis é o próprio artigo 28 do Código de Processo Penal, pois este cânon não diz quais devem ser as "razões invocadas" pelo Ministério Público para a promoção do arquivamento do inquérito policial. O promotor ou o procurador poderia, perfeitamente, invocar razões de política criminal ou de utilidade para não promover a demanda penal, tendo em vista, por exemplo, a aproximação do termo final do prazo prescricional máximo previsto para aquele delito. Poderia, ainda, alegar o membro do Parquet a insignificância penal da conduta apurada no inquérito, ou a inconveniência da ação.Se o juiz discordasse de tais razões, remeteria os autos à superior instância, no próprio Ministério Público, já que, em virtude da separação das funções de acusar e julgar, característica do sistema acusatório, não poderia ele mesmo dar início ex officio à ação penal nem determinar que o Ministério Público o fizesse, sem violar gravemente o art. 129, inciso I, da Constituição Federal.Outros elementos normativos que permitem concluir pela inadequação do princípio da obrigatoriedade ao moderno processo penal surgem da análise da estrutura da ação penal privada e da ação penal pública condicionada.A ação penal privada, em que incidem institutos como o perdão do ofendido, a desistência, a perempção, a renúncia assemelha-se muito mais à ação de natureza civil do que a suas "irmãs" penais, de natureza pública. Ambas, a ação civil e a ação penal privada, são disponíveis, valendo para as duas categorias o princípio da oportunidade.Com isso quer-se dizer que, embora reconheçamos, que a teoria geral da ação é uma só — abarcando ação civil e ação penal —, as semelhanças entre a ação penal privada e a ação civil são maiores do que as que existem entre as demais. Prova disso é que o princípio da obrigatoriedade não se aplica nem à ação civil nem à ação penal privada, mas é impositivo em relação à ação penal pública incondicionada e à ação penal pública condicionada.Tratando desta última, é de se ver aí uma forma híbrida de ação — meio penal e meio civil, ou meio penal pública e meio penal privada —, porquanto nela a persecução penal pelo Estado (presentado pelo Ministério Público) somente se iniciará se houver o implemento da condição: a representação da vítima ou de seu representante legal ou a requisição do Ministro da Justiça. Sem essas condições de procedibilidade, a ação penal pública, conquanto marcada pelo princípio da obrigatoriedade, não poderá ser iniciada.Em razão disso, percebe-se que o brocardo Nec delicta maneant impunita somente se aplica inteiramente à ação penal pública incondicionada, porque se para a ação penal privada não tem qualquer influência, no que pertine à ação pública condicionada fica a depender da vontade (autonomia privada) do indivíduo ofendido ou da requisição do Ministro da Justiça, que agirá animado por razões políticas.Conclui-se, por conseguinte, que o princípio da obrigatoriedade é, em verdade, uma exceção no que se refere à imposição da ação do Estado (Polícia Judiciária e Ministério Público) diante da criminalidade. A regra, ao contrário do que pode parecer, é a não obrigatoriedade da ação penal (e da ação em geral), já que nas demais espécies o âmbito de atuação da autonomia privada é absoluto. Vale dizer, sem a vontade do indivíduo não haverá ação civil, não será proposta ação penal privada e o Ministério Público não poderá oferecer denúncia em crime de ação penal pública condicionada.Portanto, não há razão para insistir na permanência do princípio da obrigatoriedade, quando tal diretriz somente se dirige a uma das subespécies de ação e quando se percebe que a idéia de oportunidade da atuação persecutória ministerial está muito mais próxima do direito penal mínimo e da doutrina da intervenção necessária do que a tese oposta, ora vigente.Sem dúvida, essa concepção inovadora tem-se inserido aos poucos no sistema jurídico brasileiro, a partir da Constituição Federal de 1988, que, além de conferir independência funcional ao Ministério Público, permitiu a instituição do procedimento sumaríissimo, com transação penal (art. 98, inciso I).A Lei n. 9.099/95 positivou, no espaço infraconstitucional, essa regra, vindo a mitigar o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, ao permitir a composição civil do dano (art. 74) como causa de exclusão do processo; ao estabelecer as hipóteses de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, mediante transação penal ofertada pelo Ministério Público (art. 76); e ao regulamentar o instituto da suspensão condicional do processo, também derivada de proposta do Parquet, na forma do art. 89 daquele lei.Em outros sistemas jurídicos, institutos como o pattegiamento italiano e o plea bargain norte-americano dão mostras do funcionamento do princípio da oportunidade da ação penal pública, que, entre nós vigora em absoluto apenas para a ação penal privada e para as ações civis em geral. Mas é hora de mudar.

2.4. Princípio da oficialidade

Intimamente relacionada com os princípios da legalidade e da obrigatoriedade, a diretriz da oficialidade funda-se no interesse público de defesa social.Pela leitura do caput do art. 5º da Constituição Federal, compreende-se que a segurança também é um direito individual, competindo ao Estado provê-la e assegurá-la por meio de seus órgãos.Daí serem criados por lei órgãos oficiais de persecução criminal, para investigação dos delitos e processamento dos crimes, no sistema acusatório. A Declaração Francesa de 1789 já especificava que "A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada" (art. 12).O art. 144 da Constituição Federal organiza a segurança pública no País, ao passo que o art. 4º do Código de Processo Penal estabelece atribuições de Polícia Judiciária e o art. 129, inciso I, da Constituição Federal especifica o munus do Ministério Público no tocante à ação penal pública.As exceções ao princípio da oficialidade estão no art. 30 do Código de Processo Penal, para a ação penal privada; e no art. 29 do mesmo código para a ação penal privada subsidiária da pública.Observe-se, porém, que existe uma outra aparente exceção à oficialidade da ação penal. Trata-se da ação penal popular, instituída no art. 14 da Lei n. 1.079/50, que cuida dos impropriamente chamados "crimes" de responsabilidade do Presidente da República.Trata-se esta da lei especial a que alude o art. 85, parágrafo único da Constituição Federal. Perceba-se que os delitos previstos na legislação de 1950, que foi recepcionada pela Carta de 1988, não estabelecem sanção privativa de liberdade. A sanção é a perda do cargo com a inabilitação para a função pública, na forma do art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal, combinado com o art. 2º da Lei n. 1079/50.Está claro, portanto, que, embora chamadas de "crimes" de responsabilidade, as infrações previstas na Lei n. 1079/50 e no art. 85 da Constituição Federal não são de fato delitos criminais, mas sim infrações político-administrativas, que acarretam o impeachment do Presidente da República.Logo, não se pode falar na existência de ação penal popular, como entendem alguns comentaristas do art. 14 da Lei n. 1079/50.De igual modo, não há ação penal popular (conquanto assim denominada) no art. 41-A da mesma Lei, para as ações "penais" por "crime" de responsabilidade previstos no art. 10 da Lei n. 1.079/50. Esses delitos podem ser atribuídos ao Presidente do STF, aos presidentes dos tribunais superiores, tribunais regionais e cortes de contas, tribunais de justiça e de alçada, aos juízes diretores de fóruns, ao Procurador-Geral da República, ao Advogado-Geral da União, aos membros do Ministério Público e da AGU com função de direção de unidades regionais, entre outros.A disposição merece a mesma crítica endereçada ao art. 14 da Lei n. 1.079/50. Os crimes de responsabilidade previstos no art. 10 não são de fato "crimes", mas infrações político-administrativas sancionadas com a perda do cargo. Assim, não havendo crimes stricto sensu a punir, a via punitiva não será a da ação penal pública, iniciada por "denúncia de qualquer do povo". A razão do óbice é evidente, pois se assim fosse estaríamos diante de uma violação ao art. 129, inciso I, da Constituição Federal, que confere ao Ministério Público a privatividade da ação penal pública. Ora, lei ordinária não pode ferir essa regra, senão será marcada com o labéu de inconstitucional.Com razão, portanto, LUIZ FLÁVIO GOMES e ALICE BIANCHINI, ao dizerem que "se for entendido que as condutas previstas no art. 10 da Lei 1.079/50 são de caráter penal (e isso já foi anteriormente afastado), torna-se absurdo permitir a todo cidadão o oferecimento da denúncia, pois amplia o rol dos legitimados para propositura de ação penal, em total afronta ao art. 129, I, da Constituição, que estabelece a competência privativa do Ministério Público".Corrente minoritária da doutrina defende a idéia de que a "denúncia" de que trata a Lei n. 1.079/50 (especialmente a prevista no art. 14) é simplesmente uma notitia criminis postulatória, pois a verdadeira acusação contra o Presidente da República nos chamados crimes de responsabilidade ficaria a cargo da Câmara dos Deputados, autoridade competente consoante o art. 51, inciso I, da Constituição Federal.

2.5. Princípio da indisponibilidade

Tanto o inquérito policial quanto o processo penal são indisponíveis. Esta realidade deriva do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e do brocardo Nec delicta maneant impunita.Com isso, proíbe-se a paralisação injustificada da investigação policial ou seu arquivamento pelo delegado de Polícia, o mesmo valendo para a própria ação penal, que não pode ser obstada, salvo por justa causa.Positivam tal princípio o art. 10 do Código de Processo Penal, que estabelece prazo cabal para a conclusão do inquérito policial; o art. 17 do mesmo código, que impede o arquivamento do IP pela autoridade policial; e o art. 28, que situa o juiz como fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal, permitindo-lhe discordar da promoção feita pelo Ministério Público.São também corporificações do princípio o art. 42 do CPP, que proíbe que o Ministério Público desista da ação penal que tenha proposto e o art. 576 do Código de Processo Penal, que impede o Parquet de desistir de recurso que haja interposto em ação penal pública.Merece crítica, no entanto, a disposição do art. 385 do Código de Processo Penal, que autoriza o juiz a condenar o réu, mesmo em face de pedido absolutório apresentado pelo Ministério Público na ação penal pública.Os defensores do cânon alegam que se trata de regra destinada a assegurar a busca da verdade real e a defesa social. O juiz, nesse mister, não estaria vinculado ao posicionamento do Ministério Público, porque está, na outra ponta, sujeito à missão de desvendar a verdade real.Contudo, já foi dito noutro passo que no processo não se atinge a verdade real, senão a verdade judicial, e a constante busca por essa "verdade" somente ocorre na ação penal pública incondicionada, porquanto, mesmo na ação penal pública condicionada pode o ofendido impedir a persecução se não oferece a representação ou dela se retrata, antes do oferecimento da denúncia (art. 25 do Código de Processo Penal).Além disso, no art. 385 há aparente violação ao sistema acusatório, misturando-se as funções de acusação e julgamento. Diz-se também que a regra é prejudicial aos acusados e, por isso deveria ser interpretada restritivamente, no sentido de que o magistrado somente poderia proferir sentença condenatória quando o Ministério Público não fundamentasse devidamente o pedido absolutório.Ora, se o órgão incumbido pela Constituição Federal de promover a acusação em nome do Estado entende que há causa excludente de ilicitude, que o fato é atípico ou que outro foi o seu autor e pede a absolvição do réu, por que haveria o julgador, órgão imparcial, de assumir ele a pretensão estatal acusatória e condenar o réu quando pedido nesse sentido não mais existe. Não seria essa uma forma de julgamento extra ou ultra petita? Parece-nos que sim, pois o juldador, situado imparcialmente entre e acima das partes, estaria quase que assumindo uma pretensão que não é nem pode ser sua.O pedido de absolvição pelo Ministério Público equivale a inexistência de acusação. E da acusação, pela regra do art. 129, inciso I, da Constituição Federal, somente o Ministério Público é titular.Não há nada de estranho nesse proceder, uma vez que noutros sistemas jurídicos pode o Ministério Público simplesmente retirar a acusação apresentada contra o réu, findando-se a instância.Com a introdução dessa medida, fundada em idéias de política criminal, de necessidade, utilidade, conveniência e intervenção mínima, não se estaria violando o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, Constituição Federal), pois o Poder Judiciário seria chamado a verificar em cada ação se há justa causa para a retirada da denúncia e se as causas legais que a condicionam estão presentes in concrecto.Idêntica censura se faça quanto à previsão da segunda parte do art. 385 do Código de Processo Penal, que autoriza a autoridade judiciária a reconhecer agravantes que não tenham sido alegadas na denúncia ou nas alegações finais do Ministério Público. A proposição é estranha, porque representa forma de julgamento ultra petita, além do pedido. A sentença não terá correlação com a acusação.Disposição como esta tinha sentido na década de 1940, quando da introdução do Código de Processo Penal, época em que o Ministério Público não estava organizado nacionalmente com a devida estrutura e capilarizado em todas as comarcas do País, como instituição inteiramente profissional. Hoje, com as responsabilidades que foram atribuídas ao Parquet e com o desenvolvimento de uma cultura de Ministério Público é desarrazoada a regra ora examinada, tanto quanto o é a que determina o reexame necessário em certos casos.Em apoio à tese ora esposada, lembremos que na fase recursal o tribunal de apelação não pode piorar a situação jurídica do réu caso não haja recurso da acusação. Ou seja, se o Ministério Público não interpuser apelação, o colegiado ad quem não poderá reformar sentença que tenha absolvido o réu e nem mesmo poderá agravar a pena que lhe tenha sido aplicada.Por outro lado, se o Ministério Público (ou o querelante) apresentar apelação, o tribunal estará livre para manter a decisão de primeira instância, para reformá-la (inclusive condenando réu que tenha sido absolvido) ou para alterar a pena, minorando-a ou agravando-a.Conclui-se, portanto, que se o tribunal, órgão de superior hierarquia na pirâmide judiciária, não pode condenar o réu (apelante exclusivo) quando o Ministério Público haja silenciado na fase recursal ou quando tenha se conformado com a sentença do juízo a quo, por que este, de instância inferior, poderia fazê-lo (condenar o réu) quando o Ministério Público houvesse pedido a absolvição?!Ora, o tribunal ad quem não pode nem mesmo aumentar a pena do réu, no caso de recurso exclusivo da defesa, que corresponde a hipótese de silêncio ou conformação do Ministério Público, com cessação da tarefa acusatória. Como então admitir que o juiz a quo possa condenar o réu a pena maior do que a pedida pela acusação, reconhecendo agravante não alegada?!A resposta parece estar no princípio da verdade real. Mas esse princípio não pode aplicar-se apenas à primeira instância, esquecendo a fase recursal. Há assim um evidente descompasso entre a regra do art. 385 do Código de Processo Penal e o princípio non reformatio in pejus.

2.6. Princípio da iniciativa das partes

É conhecido o axioma latino Ne procedat judex ex officio, que assinala o sistema acusatório. O juiz não age de ofício, não inicia a ação por iniciativa própria; depende da provocação do Ministério Público ou da parte ofendida, que atuará como querelante.Dessa regra deriva a de que Nemo judex sine actore, ou seja, de que não há juiz sem autor, que equivale a dizer que não há jurisdição sem ação. O direito germânico conhece a diretriz na forma Wo kein Anklägler ist, da ist auch kein Richter, que se traduz por "onde não há acusador, não há também julgador".No ordenamento brasileiro, a diretiva está no art. 24 do Código de Processo Penal (ação penal pública), e nos arts. 29 e 30 do mesmo código (ação penal privada e privada subsidiária). Deles se depreende o princípio da iniciativa das partes, sendo hoje uma regra absoluta, pois não mais subsiste o procedimento judicialiforme, previsto na Lei n. 4.611/65, em que o juiz ou o delegado de Polícia, mesmo não sendo partes, podiam iniciar a ação penal em certos crimes (lesão corporal e homicídio culposos) e nas contravenções penais (art. 531 do Código de Processo Penal), bem como em razão da Lei Federal n. 1.508/51, que cuidava do rito sumário para a contravenção de jogo do bicho.A conseqüência imediata do princípio da iniciativa é que o juiz estará adstrito ao pedido do promovente da ação. Não poderá julgar além do pedido das partes. Ne eat judex ultra petita partium, pois, caso contrário, estaria dando início a uma acusação diversa da apresentada, pois mais ampla. Define-o bem a regra do art. 128 do Código de Processo Civil, segundo a qual "O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa das partes".Também caracteriza o princípio da iniciativa das partes o axioma sententia debet esse conformis libello, o de que a sentença deve estar em conformidade com a acusação. Este princípio é também denominado de princípio da correlação.São exceções à regra os institutos da mutatio libelli (art. 384-CPP) e da emendatio libelli (art. 383-CPP). Embora desejável, não estão as partes obrigadas a tipificar corretamente o pedido. Diz-se que o juiz conhece o Direito (jura novit curia) e que basta a narração do fato ao julgador para que se tenha o veredicto (narra mihi factum dabo tibi jus). Em face disto, o juiz pode ver-se na contingência de alterar a qualificação legal dada ao crime ou sugerir o agravamento da imputação.

2.7. Princípio do impulso oficial

A regra Ne procedat judex ex officio não transforma o juiz num órgão absolutamente inerte. Iniciada a ação penal, pode e deve a autoridade judiciária promover o bom e rápido andamento do feito. Presidindo a instância penal, cabem ao juiz (art. 251, Código de Processo Penal) a direção e regulação do processo, competindo-lhe determinar:a)na forma do art. 156 do Código de Processo Penal, diligências e provas complementares;b)a coleta de documentos probantes de relevo (art. 234);c)a realização de exame de corpo de delito complementar (art. 168)d)quesitos em perícias (art. 176);e)o reinterrogatório do réu (art. 196);f)a reinquirição de testemunhas e do ofendido (art. 502, parágrafo único).Essas providências são necessárias para a busca da verdade real, tendo em conta também a indeclinabilidade da jurisdição penal, o que siginifica que o juiz não poderá declarar non liquet; encerrar o processo sem causa legal (como a incidência de causa extintiva de punibilidade); ou paralisá-lo injustificadamente em seu curso.As exceções ao princípio do impulso oficial são determinadas em lei, sendo exemplo delas a suspensão da ação penal pública de competência do tribunal do júri por falta de intimação pessoal da pronúncia ao acusado (art. 413).

2.8. Princípio da ordem consecutiva legal

O processo é um encadeamento lógico e sucessivo de atos e diligências, que tem como fim permitir ao julgador a declaração da regra de direito aplicável ao caso concreto, fazendo valer o jus puniendi estatal.Assim, suas características estruturais mais importantes são:a)a sucessão de atos;b)a sucessão lógica desses atos;c)a sucessão ordenada, na forma da lei; ed)a dependência e concatenação entre os atos sucessivos.Como conseqüência dessa concatenação, o elemento temporal, na definição de prazos e ocasiões para a prática dos atos processuais, torna-se importante. Se descumprida uma regra temporal, dá-se a preclusão, segundo o preceito Dormientibus non sucurrit jus.A desatenção à forma sucessiva e lógica dos atos processuais pode conduzir também à nulidade do processo. Assim, a alteração da ordem legal de ouvida de testemunhas (primeiro as da acusação e depois as da defesa), se causar prejuízo ao acusado, ocasionará a nulidade do processo a partir do instante da violação da ordem sucessiva ordenada em lei.

2.9. Princípio da economia processual

Este princípio possibilita a escolha da opção menos onerosa às partes e ao próprio Estado no desenvolvimento do processo, desde que não represente risco para direitos individuais do acusado. Se isso puder ocorrer, a economia formal deve ser evitada.São exemplos de aplicação do princípio a rejeição da denúncia em vista da defesa preliminar do funcionário público (art. 514 do Código de Processo Penal) e a conservação de atos processuais não decisórios em face de eventuais nulidades (art. 567).

2.10. Princípio ne bis in idem

Conforme o art. 14, §7º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, "Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país".Pelo art. 8º, §4º, do Pacto de São José da Costa Rica "O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos".O preceito está previsto expressamente na Quinta Emenda à Constituição dos Estados Unidos (Amendment V):"No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offence to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation.Também a Sétima Emenda da Constituição norte-americana proíbe o dúplice julgamento, salvo aquele realizado de acordo com o devido processo legal: "In suits at common law, where the value in controversy shall exceed twenty dollars, the right of trial by jury shall be preserved, and no fact tried by a jury, shall be otherwise re-examined in any Court of the United States, than according to the rules of the common law".No Brasil, além das disposições convencionais, derivadas de tratados, assegura-se a soberania dos veredictos no tribunal do júri e a autoridade da coisa julgada no art. 5º, da Constituição Federal.

2.11. Princípio favor libertatis

Talvez um dos mais importantes princípios do processo penal, o do favor rei representa uma garantia contra a ineficiência do Estado ou contra acusações temerárias.Em face dele, conhecido também como princípio In dubio pro reo (favor innocentiæ), a lei processual permite a absolvição do réu por insuficiência de provas (art. 386, II e IV).O favor rei proíbe a reformatio in pejus em detrimento do acusado (art. 617 do CPP) durante o exame recursal de irresignação exclusiva da defesa e favorece a posição jurídica do réu, facultando-se a interposição de recursos privativos, como o protesto por novo júri (art. 607-CPP) e a revisão criminal (art. 621).Como exceção, pode-se citar a desclassificação in pejus, prevista no art. 408, §4º, do Código de Processo Penal.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Apostila da Língua Portuguesa


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TÍTULOS DE CRÉDITO

1
TEORIA GERAL DOS TÍTULOS DE CRÉDITO


1.1 Introdução

O crédito, entendido em seu aspecto econômico como a troca de um bem presente por outro futuro, sempre foi fundamental para o desenvolvimento da atividade empresarial, na medida em que o empresário pode utilizar-se de um bem que não lhe pertence, especialmente recursos financeiros aplicando-o em seu ofício. Como resultado dessa operação tem-se a viabilidade do desenvolvimento de determinada atividade econômica, cujo capital o empresário, a princípio, não detinha. Um dos pressupostos fundamentais do crédito é a confiança que o credor tem no devedor e nos instrumentos jurídicos que amparam seu direito creditício, dando-lhe a necessária segurança quanto ao recebimento, no futuro, do bem confiado ao devedor. A origem da palavra crédito provém justamente do latim credere, que significa ter confiança ou emprestar em confiança.
Exemplificando, para o agricultor, a possibilidade de tomar empréstimo para custear a lavoura com o objetivo de pagá-lo com os frutos da colheita significa a oportunidade de ampliar em muito sua capacidade de produção. Enfim, não é difícil de verificar que o crédito é instrumento essencial para o desenvolvimento da economia.
Diante de tão importante instrumento econômico, tornou-se necessária a criação de um instituto jurídico apto a garantir os direitos do credor diante da eventualidade do não pagamento por parte do devedor. Surge, então, o título de crédito.
Antigamente, o crédito era tido como uma obrigação pessoal entre credor e devedor, em que o credor detinha direitos perante a própria pessoa do devedor, pois não havia separação entre a pessoa e o seu patrimônio. Muitas vezes a obrigação era satisfeita com a própria vida do devedor ou com a sua liberdade, assim o devedor poderia ser morto ou transformado em escravo diante da impossibilidade de adimplir as dívidas contraídas.
Os títulos de crédito, conforme nos ensina Fábio Ulhoa Coelho, diferenciam-se dos demais documentos representativos de obrigações pelo fato de não comportarem nenhuma outra obrigação a não ser aquela relativa ao pagamento de determinada quantia.

1.2 Conceito de títulos de crédito

“Título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado” (Vivante). Este conceito é praticamente repetido pelo art. 887 do CC.
Nessa definição podemos vislumbrar as principais características desse instrumento:
• O título de crédito é um documento, ou seja, deverá ser escrito, gravado em um meio material, normalmente papel, não se admitindo a existência de título de crédito que não esteja escrito, documentado em meio físico;
• Esse documento é necessário para o exercício do direito nele mencionado, significando dizer que somente com a apresentação do documento é que o direito creditício nele encerrado poderá ser efetivamente exigido;
• Deverá, o título de crédito, mencionar qual o direito a que faz jus o seu portador, em especial a qualificação do devedor – seu emitente – a quantia devida, a data em que deverá ser paga e em que local, entre outras informações.

O direito mencionado no título de crédito é literal e autônomo. Literal porque somente vale o que nele estiver escrito, de forma a impossibilitar que o seu portador venha a exigir qualquer outra obrigação que nele não esteja expressamente grafada. A mencionada autonomia, por outro lado, refere-se ao fato de que cada pessoa que assume uma obrigação no título o faz de forma autônoma em relação aos demais participantes, de maneira que, se por acaso se verificar qualquer tipo de vício relacionado àqueles que anteriormente se obrigaram no título, tal defeito não poderá ser utilizado pelos demais obrigados como fundamento para o não cumprimento de suas respectivas obrigações.
Por ser direito materializado no documento, com vínculo distinto daquilo que lhe deu causa, o título de crédito garante a livre circulação do direito que representa, de forma a garantir ao seu tempo o cumprimento da obrigação sem a necessidade de o credor ter de se preocupar como fato gerador do crédito. Pode ser que este tenha se originado de um empréstimo pessoal ou de uma compra e venda de mercadorias; entretanto, o que importa é que o título de crédito representa autonomamente o direito nele impresso.

1.3 Características dos títulos de crédito

A evolução e a larga utilização do título de crédito somente se verificou diante de suas características essenciais. Essas características permitem a sua circulação, podendo passar pelas mãos de uma quantidade significativa de pessoas, e, ao contrário dos demais instrumentos representativos de obrigações, desvincula-se da causa que lhe deu origem e passa a incorporar o direito nele expresso, independente de sua origem. Melhor explicando, em se tratando, por exemplo, de um contrato de compra e venda de um automóvel, que contém cláusula em que o comprador do veículo deverá pagar o preço em uma determinada data futura, se houver interesse do vendedor em ceder o crédito advindo daquele contrato, poderá faze-lo a outra pessoa, que, por sua vez, também poderá cedê-lo a terceiro e assim sucessivamente (A compra o automóvel de B, que cede seu direito de crédito perante A para C, que, por sua vez, cede este mesmo direito de crédito para D). Ocorre que, caso o adquirente do automóvel (A) não efetue o pagamento do preço ajustado por conta da verificação de vício oculto, pleiteando a rescisão do contrato de compra e venda, nos termos do art. 441 do CC, o crédito representado por aquele contrato não será satisfeito, e o seu terceiro portador – neste caso D – não poderá cobrar de A, B ou C o adimplemento do contrato que se rescindiu por conta da constatação de vício oculto no objeto transacionado. No entanto, se, com a compra e venda exemplificada, B – vendedor – tivesse solicitado a A – comprador – a emissão de um título de crédito em seu favor, representativo do valor que deveria ser pago no futuro, e se este título fosse passado para C, que por sua o teria entregue a D, D poderia cobrar o título em seu vencimento tanto de A quanto de B ou C, que não poderia alegar, como motivo para o não pagamento, a rescisão do contrato de contrato de compra e venda em decorrência de vício oculto – descumprimento por parte do credor original da obrigação assumida na relação causal, qual seja a obrigação de entregar o veículo em perfeitas condições de uso.
Tais características são classificadas pela doutrina mediante a utilização dos seguintes princípios: cartularidade; autonomia e literalidade.

1.3.1 Cartularidade

Sendo o título de crédito um documento necessário para o exercício do direito nele mencionado, é fundamental estar o credor de posse da cártula (documento representativo do título). A cartularidade, portanto, é essencial e permite a ampla negociabilidade do título. Assim, sem o documento (cártula) não pode ser exercido o direito nele incorporado. Ao tempo do credor exigir seu crédito, deve ele apresentar o original com a finalidade de que a obrigação nele transcrita possa ser satisfeita. Significa dizer: o possuidor do título de crédito, aos olhos do devedor e de terceiros, representa o real credor. Salienta-se, por hora, que o crédito é transmitido com a mudança de titularidade do documento que o representa. Dessa forma, o devedor não estará, em princípio, obrigado a adimplir a obrigação se o título de crédito não for apresentado. Somente aquele que possui o título pode exigir o direito nele gravado. Deve-se registrar que nos tribunais, no entanto, têm entendido que poderá ser substituído o original do título por cópia autenticada, isso quando aquele anteriormente já tenha figurado em outro processo ou por qualquer motivo se tenha dissipado.
Com o avanço da tecnologia, especialmente no que se refere a facilidade na transmissão e rapidez na transmissão e armazenamento de dados por meio de redes de computadores, aliado ao volume cada vez maior de operações de crédito mediante a massificação das relações comerciais, não podemos deixar de assinalar o fenômeno crescente da criação e transmissão do crédito por meio magnético, a desafiar a tradicional disciplina dos títulos de crédito. Os autores modernos que se debruçam sobre as conseqüências da informática na teoria dos títulos de crédito são unânimes em afirmarem a necessidade de se repensarem os princípios informativos dos títulos de credito, em especial o principio da cartularidade , na medida em que convivemos com títulos criados em meio eletrônico, como é o caso freqüente e cada vez mais disseminado da duplicata virtual, criada em meio magnético pelo empresário-credor, que a transmite, também em meio magnético, via internet, ao banco para que este proceda à cobrança. Diante da ordem da cobrança da duplicata virtual, o banco gera um documento que não é titulo de crédito, mas tão-somente um documento que faz referencia a sua existência e serve para aparelhar o pagamento – chamado “boleto”, que é enviado pelo correio para o endereço do devedor, que, de posse dele, efetua o pagamento em qualquer agencia bancária, veja que em nenhum momento a duplicata chegou a se materializar em meio papel, permanecendo todo o tempo de sua existência no formato magnético.
Nosso sistema jurídico caminha a passos largos para a regulamentação dessa nova forma de representação de alguns títulos de credito – ¬forma magnética. Verifique-se a Lei 9.492/97, que regula o regime relativo ao protesto de títulos e de documentos e, no parágrafo único de seu art. 8.°, estabelece que “poderão ser recepcionadas as indicações a protesto das Duplicatas Mercantis e de Prestação de Serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a mera instrumentalização das mesmas”. O Código Civil no § 3º do art. 889, contempla a existência de títulos criados em meio magnético ao regrar que “o titulo poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos nesse artigo”.
Como se percebe, estamos próximos de uma nova concepção acerca dos títulos de crédito, mitigando e minimizando a necessidade de sua apresentação em meio papel. Quanto mais se desenvolvam sistemas seguros acerca da identificação (assinatura virtual) do emitente do título e de todos aqueles que por ele se obriguem, mais fácil concebermos a apresentação de títulos de crédito em meio magnético.

1.3.2 Autonomia

A autonomia dos títulos de credito verifica-se em função de que cada obrigação a eles relacionada não guarda relação de dependência com as demais. Significa dizer que aquele que adquire o titulo de credito passa a ser titular autônomo do direito creditício ali mencionado, sem que exista qualquer interligação com os adquirentes anteriores. Essa característica do título de credito é que o torna apto a circular entre inúmeras pessoas, mantendo hígido o direito que dele emerge. Referida autonomia das obrigações assumidas pelos diferentes agentes que tenham grafado suas assinaturas no título é que gera a segurança do cumprimento dessas obrigações: “Quanto mais o título circule, recebendo assinaturas, tanto mais segurança terá o portador de que, no momento aprazado, poderá reembolsar-se da importância mencionada no documento, facultando-lhe a lei recebê-la não apenas do obrigado principal mas, na falta desse, de qualquer dos que lançaram suas assinaturas no titulo e, assim, assumiram a obrigação de pagá-lo, se a isso forem justamente chamados”.
Em decorrência desse princípio surgem dois outros subprincípios: o da inoponibilidade das exceções ao terceiro de boa-fé e o da abstração. A inoponibilidade das exceções ao terceiro de boa-fé quer significar que, quando o devedor principal venha a ser instado a pagar o valor ao qual se obrigou quando da emissão do título, não poderá alegar, para se esquivar do pagamento, possíveis exceções relacionadas com a relação causal que deu origem à divida consubstanciada no título, ou seja, se o título se originou de um negócio de compra e venda, o emitente do título – devedor, portanto – não poderá alegar ao terceiro de boa-fé, ao vir este lhe apresentar este título para pagamento, que o objeto adquirido apresentou-se em desconformidade com as qualidades que dele se esperavam. Nesse caso o pagamento deverá ser feito, podendo o adquirente procurar o vendedor para obter o ressarcimento dos danos que foi obrigado a suportar. Por outro lado, nesse caso, se o título de crédito não circular, permanecendo nas mãos do vendedor/credor, quando da apresentação para pagamento poderá o comprador/devedor excepcionar o pagamento com base no descumprimento da obrigação assumida em decorrência da relação causal, qual seja a entrega, pelo vendedor/credor, de um bem da forma prometida, justamente porque o vendedor/credor, não é terceiro, mas sim um dos partícipes da relação causal ensejadora do título.
A inoponibilidade das exceções está positivada na Lei Uniforme (Dec. 57.663/66) em seu art. 17, que estabelece: “As pessoas acionadas em virtude uma letra não podem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, ao menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”. O Código Civil em seu art. 916, igualmente determina: “As exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé”.
O subprincípio da abstração, derivado da autonomia da obrigação cambial, refere-se ao fato de que, quando o título passa a circular, encontrando-se nas mãos de alguém que não participou da relação causal-base que lhe deu origem, ele se desvincula por completo do negócio que ensejou sua criação. Em decorrência disso o título de crédito não depende de nenhum outro documento para que seu titular exerça o direito creditício dele emergente, bastando sua apresentação. Essa característica acaba por gerar a segurança necessária a respeito do título de crédito, podendo este circular livremente sem a necessária investigação das causas de seu surgimento.

1.3.3 Literalidade

A literalidade significa que somente é considerado aquilo que no título está expresso, ou seja, não se levam em conta os atos gravados em outro documento que não no próprio título, mesmo sendo a ele referido. Portanto, só vale o que no título está escrito. O direito incorporado ao título de crédito é literal. Diante disso aquilo que nele está expresso proporciona ao título seu conteúdo, extensão e modalidades dos direitos incorporados no documento. Sendo assim, somente tem relevância jurídica o teor do que está escrito no título, aquilo expressamente desejado pelo emitente do documento.
Diante desse princípio, aquele que adquire o título adquire o direito tal como está inserto literalmente na cártula, na medida em que é nela e somente nela que se especificam os direitos e obrigações emergentes de sua emissão, com os acessórios e limitações que porventura dela possam resultar.
O princípio da literalidade tem razão de ser na medida em que propicia segurança jurídica para o adquirente do título. Esclarecendo: o título está destinado a circular tal como se encontra redigido, sendo a aquisição do direito nele estampado fundamentada tão-somente nos termos do que nele vem redigido, de forma que seu adquirente, de posse do título, tem plenas condições de identificar seu conteúdo, extensão e modalidades do direitos que representa. Assim, se um aval for dado em documento apartado do título, este será considerado como inexistente como aval, visto que, para ser considerado, deverá constar no próprio título a assinatura do avalista.
Outro exemplo é o da quitação parcial do título. Se referida quitação parcial não constar do próprio título, mas sim de recibo apartado, este não poderá surtir qualquer efeito perante terceiros de boa-fé. Nesse caso, o recibo parcial é válido somente entre credor e devedor original. Na medida em que o título de crédito circula, ou seja, passa pelas mãos de terceiros, a quitação parcial não mais poderá ser alegada pelo devedor em ser favor, a menos que tal quitação esteja inscrita na própria cártula. Deve-se lembrar, no entanto, que os documento que forem produzidos de forma apartada, ou seja, cujos termos não tenham sido apostos no próprio título, perdem sua eficácia perante terceiro, mas permanecem vigorando perante seus signatários originais, como qualquer obrigação de natureza civil, neste caso, completamente desvinculada dos princípios básicos dos títulos de crédito.

1.4 Classificação

Encontramos na doutrina diversas classificações relativas aos títulos de crédito. Merece especial destaque aquela que analisa os títulos quanto ao modo de circulação, podendo ser ao portador ou nominativos.
São ao portador os títulos nos quais não consta o nome do beneficiário, do titular do direito nele incorporado – nesse caso, a pessoa que detém a sua posse é quem incorpora as obrigações dele emergentes. Normalmente, em tais títulos encontramos a expressão “Pague-se ao portador deste...”.
Os títulos nominativos, por sua vez, são aqueles nos quais se verifica o nome do credor, sendo que, para que esta espécie de título circule, é necessário o endosso, que se faz pelo antigo credor ao seu sucessor. Nesses encontra-se a expressão “Pague-se a Fulano de Tal a quantia...”.
Os títulos nominativos, por sua vez, podem apresentar-se na modalidade à ordem ou não à ordem.
A cláusula à ordem é encontrada em títulos nominativos, emitidos em favor de determinada pessoa, passíveis de serem transferidos por endosso, instrumentos de natureza tipicamente cambiária. Nesse caso, encontra-se no título a expressão “Pague-se a Fulano de Tal, ou à sua ordem, a quantia...”. Excepcionalmente, porque destoa da vocação dos títulos de crédito, podemos encontrar títulos com a cláusula não à ordem, significando que seu titular não poderá endossá-lo – fato este que limita a possibilidade de sua circulação. Cabe ressaltar a lição de Fran Martins, que nos ensina: “A adoção da cláusula à ordem foi o fato mais importante na evolução dos títulos de crédito, por possibilitar, mediante o endosso, a rápida transferência dos direitos incorporados nos documentos. Também foi mencionado que certos títulos admitem a cláusula não à ordem, o que, de certo modo, parece ferir a natureza desses títulos, cujo escopo é a circulação. Tal, entretanto, não acontece, pois o documento, em si, permanece como um título de crédito, já que atesta uma operação em que a confiança é requisito principal. Mas fazendo com que o título não circule livremente, a cláusula não à ordem retira do mesmo, uma das suas principais funções, permitindo que o crédito não seja facilmente usado pela circulação através do endosso. Entretanto, o título não à ordem também pode circular; apenas essa circulação se faz através de uma cessão, que requer um termo de transferência, assinado pelo cedente e pelo cessionário. E, como conseqüência da cessão, o cedente se obriga apenas com o cessionário, não em relação aos posteriores possuidores do título. Contudo, o direito de crédito incorporado ao título, permanece”.
Os títulos de crédito são também classificados, quanto á hipótese de emissão, em abstratos e causais.
São abstratos os títulos que se desvinculam completamente da causa que lhes deu origem, ou seja, a relação fundamental não tem relevância diante do terceiro de boa-fé, mas tão-somente entre devedor e credor originais. São exemplos de títulos abstratos o cheque, a nota promissória e a letra de câmbio. Os títulos causais, também chamados de impróprios ou imperfeitos, ao contrário, vinculam-se necessariamente às causas que lhes deram origem, ao negócio jurídico fundamental, porque somente podem ser emitidos quando da realização de um determinado negócio jurídico, nos termos determinados em lei. A duplicata é um exemplo típico dessa espécie de título de crédito – título causal –, na medida em que somente poderá ser emitida diante da compra e venda de mercadorias ou da prestação de serviços que lhes dê origem.
Os títulos de crédito podem se apresentar, quanto à natureza do crédito de que se revestem em próprios e impróprios.
São próprios aqueles títulos que corporificam uma verdadeira operação de crédito, entendida como tal aquela em que uma pessoa empresta a outra uma determinada quantia para pagamento no futuro. A letra de câmbio e a nota promissória são exemplos de títulos de crédito próprios.
Impróprios são os títulos que não representam uma operação de crédito, ou seja, o seu pagamento, não se difere no tempo. È o caso do cheque,que é uma ordem de pagamento à vista – mesmo que nele conste uma data de vencimento posterior, poderá ser apresentado para pagamento logo após a sua emissão.
Quanto ao modelo, os títulos de crédito podem ser divididos em vinculados e livres.
São vinculados aqueles títulos cujo formato obedece a padrões previamente fixados, não podendo as partes alterá-los, sob pena de sua invalidade. Como exemplo tem-se o cheque e a duplicata.
São títulos de crédito livres, por outro lado, aqueles cujo formato não segue um rigor absoluto, podendo ser confeccionados quanto a sua forma, da maneira que melhor atenda aos interesses das partes. São exemplos desses títulos a nota promissória e a letra de câmbio. Veja-se que, enquanto para se utilizar do cheque seu emitente obrigatoriamente deverá utilizar o título oferecido pelo banco, no caso da nota promissória poderá ela ser confeccionada em qualquer tipo de papel e formato, bastando que conte com os requisitos indispensáveis, nos termos que veremos quando tratarmos dessa espécie de título de crédito.

1.5 Espécies de títulos de crédito

Várias são as espécies de títulos de crédito. Entre as mais conhecidas podem-se destacar:
a) letra de câmbio;
b) nota promissória;
c) cheque;
d) duplicata;
e) conhecimento de transporte;
f) warrant;
g) título de crédito rural;
h) título de crédito industrial;
i) título de garantia imobiliária.
Neste curso, levando em conta seus objetivos didáticos, trataremos tão-somente daqueles títulos mais utilizados, quais sejam a letra de câmbio, a nota promissória, o cheque e a duplicata.