terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

TÍTULOS DE CRÉDITO

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AVAL


5.1 Noções Gerais

O pagamento do valor pecuniário estampado no título, de ordinário, deverá ser efetuado por seu principal obrigado, que no caso da letra de câmbio é o emitente ou aceitante. Ocorre que outras pessoas também podem vir a assumir a responsabilidade por seu adimplemento, em solidariedade ao devedor principal, de maneira a reforçar as garantias do efetivo recebimento do crédito. É o caso, como vimos no capítulo anterior, do endossatário que faz constar cláusula que o obriga ao pagamento do título, nos termos do art. 914 do CC. Outra maneira de agregar ao título a garantia de seu pagamento por alguém que não seja seu devedor principal é por meio do aval, mediante o qual um terceiro ou mesmo um signatário do título, que não o devedor principal, obriga-se ao cumprimento da obrigação cambiária, reforçando as chances de pagamento do título e, em decorrência disso, facilitando sua circulação.

5.2 Conceito

Trata-se o aval de declaração cambiária autônoma pela qual determinada pessoa – um terceiro ou algum dos signatários do título – se obriga incondicionalmente a adimplir totalmente a obrigação cambial. A pessoa que, pelo aval, passa a assumir a responsabilidade pelo pagamento do título, juntamente com os demais coobrigados, chama-se avalista, sendo que se dá o nome de avalizado àquela pessoa em relação a quem o aval é passado. Assim, o avalista garante a obrigação cambiária assumida pelo avalizado, sub-rogando-se nos direitos emergentes do título contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval – o avalizado – e contra os obrigados para com esta em virtude da letra (LU, art. 32).
Diz-se que o aval é autônomo, pois sua validade independe da sorte das demais declarações cambiais constantes do título, ou seja, a sua obrigação se mantém mesmo no caso de a obrigação que ele garante vir, por qualquer razão que não seja um vício de forma, a ser considerada nula (LU, art. 32 e CC, art 899, § 2º). O aval poderá ser passado por qualquer pessoa, inclusive por alguém que faça parte da relação cambiária, sendo que, para sua validade, não poderá estar vinculado a qualquer condição para sua efetivação e deverá estar lançado no próprio título – face ou verso – ou em seu alongamento.
O parágrafo único do art. 897 do CC inova ao vedar a possibilidade do aval parcial, ou seja, por essa norma não é mais possível a limitação da obrigação consubstanciada pelo aval em valor inferior àquele estampado no título. Assim, ao contrário do que sempre ocorreu, o avalista deverá, necessariamente, responder pela integralidade da obrigação cambiária por ele garantida. Devemos lembrar, no entanto, que o art. 903 do CC determina que suas disposições sobre títulos de crédito são supletivas em relação à lei especial. Assim, permanece em plena vigência a disposição da Lei Uniforme (art. 30), que dispõe: “O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval”.

5.3 Aval e fiança

Por se tratar de um instituto tipicamente cambiário, o aval não pode ser confundido com fiança. Enquanto o aval sempre está vinculado a um título de crédito, a fiança é contrato acessório a um contrato principal, do qual é totalmente dependente. Assim, enquanto o aval é obrigação autônoma e independente em face das demais obrigações, a fiança não conta com esta característica, razão pela qual, se nulo for o contrato principal, a mesma sorte terá a fiança a ele vinculada.
Enquanto o avalista não pode opor as exceções que aproveitariam ao avalizado, o fiador, nos termos do art. 837 do CC, pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provenientes de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.
Formalmente, enquanto a fiança depende da construção de um contrato acessório anexado ao contrato principal, que deverá conter todas as estipulações inerentes à obrigação do fiador, para o aval basta a assinatura do avalista aposta no título seguida ou não da expressão “por aval”, “bom para aval” ou algo semelhante. Assinale-se que o aval consignado no verso do título não poderá se dar pela simples assinatura do avalista sem o acompanhamento dessas expressões, na medida em que poderá ser confundido com o endosso. Por outro lado, para a validade do aval, dado no anverso do título, é suficiente a simples assinatura do avalista (CC, art. 898, § 1º).

5.4 Momento em que o aval pode ser passado

Pode o aval ser dado mesmo antes da constituição formal da obrigação a ser assumida pelo avalizado, ou seja, antes do aceite do título – o chamado aval antecipado. Veja-se que o art. 30 da Lei Uniforme estabelece que o pagamento de uma letra pode ser garantido por aval. Se é assim, o aval não garante a obrigação avalizada, mas sim o próprio pagamento do título, razão pela qual pouco importa se a obrigação avalizada, mas sim o próprio pagamento do título, razão pela qual pouco importa se a obrigação avalizada se perfaz ou não. A partir do momento em que o avalista assume a obrigação representada pelo aval, assume a respectiva obrigação independentemente do aceite da letra, na medida em que as obrigações cambiárias são independentes umas em relação às outras. Contudo, não há falar em aval antecipado se acaso o título efetivamente não venha a se formar validamente, como no caso do aval passado em favor do emitente que não apõe sua assinatura no título – sem tal assinatura não teremos a constituição válida do título, logo, sem título não há aval.
Muito se discutiu a respeito da possibilidade da prestação de aval após o vencimento do título chamado aval póstumo, chegando alguns a entender que após o seu vencimento não mais poderia existir aval e assinatura aposta no título àquele propósito deveria ser tida como simples fiança. Sobre este assunto não havia na doutrina consenso. No entanto, com a edição do Código Civil sobreveio a disposição do art. 900, que determina que o aval posterior ao vencimento produz os mesmo efeitos acaso anteriormente tivesse sido dado.

5.5 Avais simultâneos e sucessivos

Consideram-se simultâneos as avais dados em conjunto, por duas ou mais pessoas, em relação a uma mesma obrigação cambiária, ou seja, em vez de apenas uma pessoa vir a assumir a obrigação gerada com o aval, tal obrigação é incorporada por um grupo de pessoas, que, solidariamente, assumem dita obrigação. Nesse caso, o portador do título poderá procurar qualquer dos co-avalistas que assumiram a responsabilidade simultaneamente pelo pagamento da dívida e exigir dele o adimplemento. Aquele que efetuar o pagamento terá direito de regresso contra os demais coobrigados nos termos da lei civil (CC, art. 264), cobrando de cada um deles sua respectiva quota-parte.
Avais sucessivos, ao contrário, ocorrem quando determinada pessoa garante, por aval, uma obrigação cambiária e tal aval é garantido por outro aval, e assim sucessivamente. Veja-se que nesse caso o avalista garante uma obrigação cambial e, ao mesmo tempo, tem sua própria obrigação garantida por outra pessoa, seu avalista, tornando-se ao mesmo tempo avalista e avalizado.
Gerava grande polêmica a questão relativa aos avais em branco, superpostos. Havia aqueles que os consideravam simultâneos, e por isso aplicáveis as regras atinentes à solidariedade na lei civil; e havia aqueles que entendiam tratar-se de avais sucessivos, em que uns garantiam os outros. Veja-se a relevância da discussão. Diante do entendimento da primeira corrente, após o avalista acionado efetuar o pagamento integral ao credor, deveria insurgir-se contra os demais devedores solidários, cobrando deles tão-somente a respectiva quota-parte, enquanto pela segunda corrente o avalista demandado poderia cobrar do outro avalista a totalidade do débito. Essa discussão hoje não tem mais sentido, na medida em que o Supremo Tribunal Federal fez editar a Súmula 189, que estabelece: “Avais em branco e superpostos consideram-se simultâneos e não sucessivos” – aplicáveis, portanto, entre os coobrigados, as regras da solidariedade, nos termos da lei civil.