terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

TÍTULOS DE CRÉDITO

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PROTESTO


7.1 Noções Gerais

No início do século XIV, na Itália Medieval, a protestatio, à época, tinha como função comprovar inequivocamente a falta de pagamento do sacado, o que se fazia diante do notário e testemunhas. Baseado na protestatio é que o portador da letra poderia insurgir-se regressivamente contra o sacador.
Desde o seu surgimento até os dias de hoje, o protesto tem como função a prova necessária da recusa o pagamento ou aceite de uma letra, possibilitando, dessa forma, que o credor venha a insurgir-se contra os obrigados de regresso.Trata-se de um ato formal e solene por meio do qual se comprova publicamente que um determinado título de crédito não foi aceito pelo sacado ou não foi pago pelo devedor principal. A Lei 9.492/97, em seu art 1º, define o protesto como um ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. Devemos observar, no entanto, que essa definição legal, conforme lembra Fábio Ulhoa Coelho, é incorreta, pois não contempla o protesto por falta de aceite. Nessa hipótese o sacado não estará descumprindo nenhuma obrigação, na medida em que não está ele obrigado a aceitar o título. Referido autor define o protesto como “ato praticado pelo credor, perante o competente cartório, para fins de incorporar ao título de crédito a prova de fato relevante para as relações cambiais”.
Como vimos, a letra de câmbio que não foi aceita pelo sacado tem seu vencimento antecipado. Se é assim, para que seu portador tenha condições de cobrar a dívida, antes do vencimento, do emitente ou dos co-devedores, torna-se necessário que seja apresentada prova consistente da recusa do aceite. Essa prova se faz pelo protesto por falta de aceite. Diga-se o mesmo em relação à recusa de pagamento por parte do devedor principal. Para que o credor possa exigir o pagamento dos demais obrigados pelo título (endossantes e avalistas), deverá comprovar o inadimplemento do devedor principal, o que se faz pelo protesto.
Muito embora o protesto tenha surgido com o propósito de documentar um fato relevante relativo às relações cambiárias, ´certo que hoje se trata de um instrumento poderoso e eficaz para a cobrança dos títulos de crédito, na medida em que a lavratura do protesto faz com que recaiam sobre o devedor cambiário fundadas dúvidas a respeito de sua situação financeira, dificultando em muito a obtenção de crédito por parte daquele cujo nome conste dos arquivos dos tabeliães de protesto.

7.2 Funções do protesto

Identificam-se duas funções para o protesto: conservatória de direitos e simplesmente probatória. Com o protesto o credor assegura seu direito de exigir dos obrigados de regresso o valor da dívida estampada no título, assim como garante a possibilidade de cobrança antecipada da letra não aceita (LU, arts. 44 e 53). Nessas hipóteses a função do protesto será conservatória de direitos, tendo em vista que o portador do título resguardará determinados direitos que somente poderão ser exercidos com o ato do protesto. Trata-se do protesto necessário ou obrigatório referido pela doutrina. Encontram-se na Lei Uniforme outras hipóteses em que o protesto é necessário para a conservação de determinados direitos. São elas: a) quando a letra pagável a certo termo da vista não contiver a data do aceite – nesse caso o protesto será tirado com o propósito da fixação da data a partir da qual irá iniciar a contagem do prazo para o pagamento da letra (LU, art. 25); b) no caso de recusa do aceite por intervenção (LU, art. 56); c) na hipótese da letra aceita por intervenção e não paga (LU, art. 60); d) quando houver recusa na devolução de uma das vias da letra enviada para aceite (LU, art. 66); e) quando houver recusa na devolução da via original da letra para o portador legítimo da cópia, com vistas a exercer o direito de ação contra os endossantes e/ ou avalistas (LU, art. 68).
Veja-se que o protesto sempre terá função probatória, na medida em que, mesmo quando tirado com o intuito de preservar direitos (função conservatória de direitos), o protesto prova uma dada situação cambiária, tal como a recusa do aceite ou o não pagamento. Ocorre, no entanto, que o protesto poderá ser tirado pelo seu portador sem que tenha função específica de conservação de direitos – trata-se do protesto facultativo. Isso poderá ocorrer em casos como: a) a letra já tenha sido protestada por falta de aceite; b) houver no título cláusula sem protesto ou sem despesas; c) quando o título não possuir coobrigados, mas apenas o devedor principal como, por exemplo, ocorre com a nota promissória sem endosso e sem aval.

7.3 Lugar e prazo para o protesto

Sobre o lugar onde o protesto deve ser tirado nada dispõe a Lei Uniforme, permanecendo em vigor o art. 28 do Dec. 2.044/1908, segundo o qual o protesto deve ser tirado no lugar indicado na letra para o aceite ou para o pagamento, sendo que, se na letra não houver indicação do lugar para pagamento, considera-se como tal o lugar designado ao lado do nome do sacado, que se presume seja o lugar do domicílio do sacado (LU, art. 2º). No que se refere à nota promissória, a regra do art. 28 supra deve prevalecer, ou seja, o protesto deve ser tirado no lugar onde deve ser efetuado o pagamento do título. Na ausência de indicação de local para pagamento, considera-se aquele onde o título foi passado (LU, art. 76). Tratando-se de cheque deverá ser protestado no lugar do pagamento ou do domicílio do emitente (LC, art. 28). A duplicata será protestada na praça de pagamento constante do título (Lei 5.474/1968, art. 13, § 3º).
O titular dos direitos creditícios estampados no título deverá levar a protesto a cártula num determinado prazo, sob pena de sofrer as conseqüências da ausência do protesto, tais como a impossibilidade de se insurgir, em regresso, contra o endossante e avalista. Quando se tratar de protesto por falta de aceite, deverá ele ser providenciado antes do vencimento da obrigação e após o decurso do prazo legal para o aceite ou a devolução (Lei 9.492/97, art. 21, § 1º). Assim, se o título for emitido para vencimento a certa data ou a tempo certo da data, sua apresentação para protesto deverá se dar antes de se verificar aquela data. Por outro lado, se acaso no título constar data para sua apresentação, o protesto somente poderá ser tirado após esse dia. Tratando-se de vencimento a tempo certo da vista, a apresentação para protesto deve se dar entre o dia em que houve a recusa do aceite e a data de seu vencimento, lembrando-se que, caso nada conste do título, deverá ele ser apresentado no prazo máximo de um ano a partir de sua data (LU, art.23).
Por outro lado, quando se tratar de protesto por falta de pagamento, deverá ele ser feito no primeiro dia útil que se seguir ao da recusa do aceite ou ao do vencimento (art. 28 do Dec. 2.044/1908). Cabe registrar que nesse caso não se aplica o disposto no art. 44 da Lei Uniforme, na medida em que o governo brasileiro, ao aderir à reserva do art. 9º do anexo II, ressalva a regra já existente no direito brasileiro, segundo a qual “a letra que houver de ser protestada por falta de aceite ou de pagamento deve ser entregue ao oficial competente, no primeiro dia útil que se seguir ao da recusa do aceite ou ao do vencimento, e o respectivo protesto tirado dentro de 3 (três) dias úteis” (art. 28 do Dec. 2,044/1908).

7.4 A cláusula sem protesto

A Lei Uniforme permite, nos termos do art. 46, que o sacador, endossante ou avalista insira no título cláusula “sem despesas”, “sem protesto”m ou outra cláusula equivalente, diante da qual o portador do título não necessitará protestá-lo para exercer seus direitos de ação (LU, art. 46). Registre-se, no entanto, que o portador não está dispensado da apresentação da letra dentro do prazo prescrito, tampouco dos avisos a dar.
Se a cláusula for inserida no título pelo sacador, produz os efeitos em relação a todos os obrigados pela letra, enquanto se for inserida pelo endossante ou avalista, somente produzirá efeitos em relação a esse endossante ou avalista. Se apesar da cláusula sem protesto, o portador assim mesmo tirar o protesto, as respectivas despesas serão por ele suportadas.

7.5 Sustação e cancelamento do protesto

Como dissemos antes, hoje o protesto, além das funções probatória e conservatória de direitos, é poderoso instrumento de cobrança colocado nas mãos do credor, que, ao levar o título a protesto, pode gerar para o devedor sérios transtornos quanto à obtenção de novos créditos na praça, na medida em que se tornará público o fato de ter inadimplido uma obrigação cambiária. Por conta desse efeito gravíssimo é que nos últimos anos, com muita freqüência nossos tribunais têm admitido o chamado pedido de sustação de protesto. Trata-se de ação judicial de cunho acautelatório movida pelo sujeito apontado como devedor de uma obrigação cambial sob o argumento da inexigibilidade da dívida, seja porque ela já foi paga ou por conta de algum vício que impeça a sua efetiva cobrança. Nesses casos, o juiz, diante de uma situação em que verifique a plausibilidade dos argumentos do autor do pedido de sustação de protesto, deverá deferi-lo sob o argumento de evitar grave dano àquele que, em sede de cognição sumária, demonstra a existência de indícios quanto à inexigibilidade do título.
O que era simples construção pretoriana, com a edição Lei 9.492/97 passou a constituir um modo legalmente previsto de suspender os efeitos do protesto enquanto se discute, em juízo, a efetiva exigibilidade do título apresentado ao Tabelião de Protesto de Títulos.
Por outro lado, uma vez pago o título protestado, cabe o cancelamento do apontamento de protesto, eliminando-se, dessa forma, a inscrição do nome do obrigado do cadastro do Tabelião de Protesto de Títulos. O cancelamento do registro do protesto será solicitado diretamente ao tabelião competente, por qualquer interessado, mediante a exibição do título protestado. Na impossibilidade de apresentação do original do título, poderá ser exibida declaração de anuência, com identificação e firma reconhecida, daquele que figurou no registro de protesto como credor, originário ou por endosso translativo, sendo que, tratando-se de endosso-mandato, basta a declaração de anuência do credor endossante.